Um pouco de muita coisa
2018
Luiz Artur Ferraretto
“Supunham alguns cérebros do século passado, e Keats entre eles, que o papel da ciência era o de aniquilar, destruir e desembelecer o que na terra havia de ideal, de imaginação e fantasia. Tudo prova hoje o contrário: a ciência moderna deu enfim asas ao sonho de Ícaro. O homem do nosso tempo transpôs, com elas, montanhas e oceanos; dá agora volta ao globo terráqueo. E mal diminuíra o assombro, servindo-se dessas outras asas imponderáveis – que são as ondas aéreas –, o homem pode fazer ouvir de país a país, de continente a continente, destas todas a mais comunicativa harmonia: a palavra.”
Do discurso de Eduardo Guimaraens, poeta gaúcho e então diretor da Biblioteca Pública, ao inaugurar, em 7 de setembro de 1924, a Rádio Sociedade Rio-grandense, primeira emissora do Sul do país.
Meu pai ouvia sempre o Atualidade, com Mendes Ribeiro, na Rádio Gaúcha. Minha mãe acordava com o Gaúcha Hoje, de Claudio Monteiro, suspirava pelas radionovelas de outros tempos e, vez ou outra, ouvia alguma coisa da Minuano e da Rio-grandina, estações locais da cidade da minha infância. Por elas, chegavam os jogos do Sport Club Rio Grande, aos quais meu pai, vez ou outra, me levava, entrando de graça, como sócio, outras conhecido do porteiro de estádios que sobrevivem apenas na memória. Meu irmão também não perdia um jogo do Grêmio na narração de Pedro Carneiro Pereira – “O juiz olha o seu relógio e nós o nosso…” – ou de Armindo Antônio Ranzolin – “Alô, amigos…”. À noite, ele dormia, ouvido colado em um radinho National, Antônio Augusto e o seu Plantão Esportivo em um zumbido de ondas médias a atravessar o quarto e atrapalhar meu sono na cama ao lado. Minha tia Dalila não desgrudava do noticiário esportivo, Gaúcha e Guaíba alternando-se na sintonia. Meu primo Alberto, um dos filhos dela, quando vinha de Santa Maria para a minha casa, carregava um Telefunken ou Mitsubishi portátil, daqueles de ir ao futebol. Com frequência, eu o via, atento ao rádio, lá nos fundos da casa simples onde morávamos, na peça que servia, além de despensa, para os estudos ou como quarto das visitas. Um amigo da família, o Seu Souza, não se cansava de elogiar o 2001, de Flávio Alcaraz Gomes. No quintal, espichando a orelha, dava para escutar lá longe a música bem povão de um dos botecos da volta ou, de novo, o futebol, da vizinha da esquerda, Dona Lourdes, fanática torcedora do Internacional a contrastar com a homogeneidade tricolor da minha casa: verde-vermelho-e-amarelo, azul-preto-e-branco…
Cresci, assim, em meio às ondas do rádio. Uma tarde, na virada da década de 1970 para a de 1980, ouvi pelo radinho a cobertura da Gaúcha. Vozes do esporte e do jornalismo acompanhando escaramuças em frente à Casa do Estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. As forças da ditadura a ameaçar a presença – absurdo para os moralistas da época – de garotas dividindo o prédio com rapazes. Não disse para ninguém, mas me deu uma baita vontade de estar lá, microfone na mão, a história na minha frente.
Este blog é assim, pequenas histórias, misturando memórias, vividas ou apenas sentidas, fruto de quase 20 anos de pesquisa, informações aqui traduzidas para uma linguagem próxima, não fosse certa dose de emoção, do jornalismo. Comemora, assim, a história viva do rádio em território gaúcho. O que é fruto de pesquisas com o rigor científico exigido por uma instituição como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul aparece, aqui, pela leitura da lembrança, do convívio, sei lá… de tantas coisas que fazem das pessoas seres humanos.
Parte dos textos, como crônicas isoladas, foi publicada durante seis anos no espaço mantido na internet pelo Instituto Caros Ouvintes de Estudo e Pesquisa de Mídia, uma organização não governamental com sede em Florianópolis. Os demais são produzidos para este blog. Todos aparecem com a indicação do seu ano de redação.
Aqui, a ideia também é ampliar o acesso a alguns textos científicos sobre a história do rádio. No conjunto, serve ainda como apoio didático à disciplina Fundamentos de Rádio e Televisão, que ministro na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Aqui, a ideia também é ampliar o acesso a alguns textos científicos sobre a história do rádio. No conjunto, serve ainda como apoio didático à disciplina Fundamentos de Rádio e Televisão, que ministro na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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