Jayme Copstein e as madrugadas do rádio no sul do país
2006
Luiz Artur Ferraretto
Anúncio do programa Gaúcha
na Madrugada (fevereiro de 1985)
Fonte: Zero Hora,
Porto Alegre, 2 fev. 1985. p. 25.
De 1985 a
2004, o rio-grandino Jayme Copstein, de fala mansa e envolvente, mudou as
madrugadas radiofônicas do Sul do país, aliando um raciocínio rápido no
bate-papo com os ouvintes, sem nunca adentrar o nebuloso terreno do
sensacionalismo e mantendo sempre uma postura elegante ao microfone da Rádio
Gaúcha. O projeto inicial levado a cabo por ele diferia bastante da proposta
que o consagraria como apresentador.
Ao assumir a gerência-executiva da emissora da Rede Brasil Sul,
Flávio Alcaraz Gomes propõe que Copstein, então editor-chefe do Jornal do Comércio, recupere, da
meia-noite às 3h, as principais entrevistas do dia levadas ao ar durante a
programação, amarrando com comentários os vários trechos editados. Guindado à
nova função, Jayme sugere que, ao contrário, abra-se espaço para que o ouvinte
analise, por telefone, as entrevistas. Com esta perspectiva, o Gaúcha na Madrugada estreia em 4 de
fevereiro de 1985, mas, naquela edição, rapidamente, esgotam-se os trechos
gravados e Copstein, até por inexperiência ao microfone, leva a transmissão,
precariamente, até o final. O relato dele ao Projeto Vozes do Rádio da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul revela-se significativo a
respeito de um padrão que começa a ser identificado em relação à audiência:
– No outro dia, eu entrei na rádio, achando que não tinha nem
mais programa. [...] Aí, eu entrei no ar para fazer molecagem, porque eu achava
que eles iam me mandar embora. Comecei a brincar com todo mundo. Aí, telefona
um sujeito e me pergunta: “Como é que se conhece a fêmea do quero-quero?”.
“Olha, só perguntando ao namorado dela, porque é o único interessado nisto.”
Deu uma polêmica em torno da fêmea do quero-quero! Todo mundo dando palpite.
Aí, eu acabei não fazendo mais entrevista com ninguém e os ouvintes falando,
falando... Eu sei que esse foi o resultado: a partir daí sempre os ouvintes
ligaram para opinar. Sobre coisas particulares de cada um ou sobre a vida do
país. E foi aí que o programa tomou corpo.
De fato, nas edições iniciais do Gaúcha na Madrugada, Jayme Copstein identifica, a exemplo de
espaços mais populares da programação radiofônica, a solidão dos grandes
centros urbanos. No entanto, dentro do formato misto talk and news adotado pela emissora em meados da década de 1980, o
programa não foge ao conteúdo jornalístico e ao tipo de público – basicamente
adulto, com no mínimo ensino médio e pertencente às classes A e B –, embora, a
rigor, aproxime-se muito do chamado all
talk em vigor nos Estados Unidos. A todo momento, o apresentador e seus
entrevistados interagem com os ouvintes, que expressam, em suas participações,
dúvidas e opiniões e, por vezes, relatam acontecimentos cotidianos. Para
regular o que é irradiado, Copstein inspira-se em A Hora do Pato, um antigo programa de calouros da Rádio Nacional,
do Rio de Janeiro. Aproveita, assim, um efeito sonoro reproduzindo o grasnar de
um pato, que acaba se transformando em personagem do Gaúcha na Madrugada:
– O Pato é um elemento – digamos que o elemento de rádio tem
que ser sonoro, bem humorado – para tirar as pessoas do ar quando elas se
tornam inconvenientes. Ou porque dizem palavrão, ou porque fazem ofensa de
natureza pessoal, ou então porque falam em futebol, e futebol é uma coisa que
se esgota à meia-noite. A emissora às 20h entra a falar em futebol e não
termina antes da meia-noite. Então eu sempre achei isso excessivo. [...] E aí o
Pato. E o Pato eu achei muito engraçado, porque ele não diz nada. O Pato é só
aquele oiuioeuriuro. [...] E o Pato começou a tirar as pessoas do ar. Até que
um dia eu precisava meter o pau, mas descer a lenha no governo mesmo, era o
governo Pedro Simon, e aí eu precisava, digamos, ter um outro eu que se
responsabilizasse por aquilo. Aí o Pato disse isso, o Pato disse aquilo.
Em termos de jornalismo e prestação de serviços, o Gaúcha na Madrugada passa pelo que
Copstein chama de “uma fase de esclarecimento público”. Antes mesmo da Lei n.
8.078, de 11 de setembro de 1990, instituindo o Código de Defesa do Consumidor,
o programa já aborda o tema, levando para o estúdio advogados que respondem, no
ar, a perguntas dos ouvintes formuladas por telefone ou carta. Com as dúvidas
em termos de legislação abrangendo diversas áreas, forma-se uma espécie de
equipe de colaboradores. Conforme suas especialidades dentro do Direito – do
consumidor, imobiliário, previdenciário, trabalhista... –, revezam-se ao
microfone profissionais como César Dias Neto, José Henrique de Freitas Valle,
Flor Edison da Silva Filho, Pedro Ruas e Raul Portanova. O Gaúcha na Madrugada atrai, deste modo, uma audiência particular em
um horário pouco explorado até então pelas emissoras do estado:
– [...] hoje [início do século 21] eu tenho [...] médicos
fazendo plantão nos hospitais, enfermeiros, auxiliares de enfermeiros,
advogados fazendo petições, juízes lavrando sentenças, quer dizer, há todo um
universo de pessoas que estão acordadas a essa hora e que, portanto, ouvem o
programa. [...] Eu acho que a faixa de ouvintes se concentra entre 30 e 50
anos.
O programa ganha abrangência nacional em 1995,
transformando-se no Brasil na Madrugada,
quando se forma a Rede Gaúcha Sat. Na mesma época, a sua qualidade é
reconhecida no exterior. Jayme Copstein obtém a medalha de prata na categoria
Melhor História de Interesse Humano no The New York Radio Festivals, com o
trabalho Memórias de um Menino de Rua,
narrando a trajetória do economista Carlos Nelson dos Reis, um ex-menor
abandonado.
Depois de quase duas décadas trocando o dia pela noite, Jayme
Copstein deixou em 2006 a apresentação do Brasil
na Madrugada. Apesar da qualidade de seus substitutos, a voz calma, mesmo
na indignação, deixou saudades nos insones.
Jayme Copstein
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 9 de outubro de 2002.
Após trabalhar todo o dia e estudar no período da noite, ouvia o querido Jayme, companheiro, informante e conforto para meu dia agitado. Obrigado, Jayme.
ResponderExcluirCleomar, quando comecei a dar aulas à noite, fazia o mesmo. Chegava em casa e dormia escutando o Jayme. No quarto ao lado, minha mãe ia longe fazendo o mesmo. Tenho absoluta certeza que a madrugada merecia algum programa semelhante ao do Jayme, de quem me orgulho de ser conterrâneo. Um abraço. Luiz Ferraretto.
ResponderExcluirLuiz, nossa madrugada atual está boa so para dormir. Uma pena. Quem viveu o período do Jayme sabe a qualidade que estamos perdendo atualmente. Obrigado.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, Cleomar.
ExcluirHoje você postou novamente o artigo sobre o Jayme. O reli com prazer e boas lembranças. E nossa rádio aumentou a quantidade de programas sobre futebol.
ResponderExcluirProgramas como o do Jayme estão fazendo falta.
ExcluirNosso Jayme pena foi. Uma pena. Mas tivemos uma grande convivência com este jornalista de primeira.
ResponderExcluirEstamos todos de luto.
ExcluirEu gravava trechos do programa do Jayme com umas fitas k7, eu comecei ouvir ele com mais frequência em 2001 nos meus 15 anos,estudava a tarde e de madrugada ficava ouvindo,e tinha meu radio motobras,como moro no Parana, eu de inicio achei q a radio gaucha saia do ar geral a 1 da manhã, depois foi descobrir que a radio saia do ar só nas ondas curtas a 1, e ficava o resto da madrugada nas ondas médias, por que as ondas medias ficava no ar até meados das 7 e pouco da manhã até sair do ar e voltar a noite só!!!
ResponderExcluirJayme Copstein foi, sem dúvida, um ícone do rádio de Rio Grande - sua cidade natal -, do Rio Grande do Sul e do Brasil.
ExcluirOuvi muito o Jayme nas madrugadas, início dos anos 90. A Rádio Gaúcha entrava forte em aqui em São José dos Campos, SP, em AM. Triste em saber de seu passamento. Grande jornalista.
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