Os operadores de rádio do Rio Grande do Sul
2014
Luiz Artur Ferraretto
Exijo sempre dos meus alunos que incluam, ao final de
qualquer programa, o nome do operador de áudio. Sem o pessoal técnico não
existe rádio. Por vezes, frente a neófitos com ou sem diploma, estudantes de
Jornalismo ou profissionais recém-formados, cabe ao técnico ensinar, pelo
menos, o amor e o respeito ao rádio. Na maioria das vezes, fornecem um conteúdo
essencial que nenhuma universidade tem condições de oferecer: malícia, macetes,
dicas, enfim experiência de vida. São eles que, formando expressiva parcela da
categoria conhecida como radialista, sofrem mais com os processos de automação
e informatização em desenvolvimento em todas as empresas de radiodifusão.
No tempo do espetáculo, destacavam-se, nas grandes atrações
da programação, em funções distintas e complementares, mas fundamentais para a
construção sensorial de imagens. Proporcionando veracidade à narrativa ao
produzir os sons exigidos pelo roteiro, aparecem, então, no Rio Grande do Sul, profissionais
como Moacir Ribeiro, Pedro Amaro e Vitor Stobbe, que, com criatividade,
preparam os efeitos necessários às encenações radiofônicas. Para representar um
incêndio, por exemplo, em meio à gritaria dos intérpretes, o contrarregra
esfrega, próximo ao microfone, um papel entre os dedos das mãos, enquanto outra
pessoa quebra palitos, reproduzindo o crepitar das chamas. Por vezes, a equipe
das emissoras enfrenta desafios em que, por tentativa e erro, os técnicos
chegam a alguma solução adequada. É o caso desta situação descrita por Vitor
Stobbe:
– Tinha uma escada de abrir e botamos nos degraus ferro,
lata, tudo um do lado do outro e armamos um microfone de pedestal. E lá no
operador, que fui eu, eu joguei, com dois discos de 78 rotações, um ruído
diferente de trem, mais um apito grave e outro agudo. Então, eu vim subindo o
volume, vim subindo, vim subindo, dei o sinal e o cara puxou a escada. Caiu
tudo, um barulhão. Deu o efeito de acidente de trem. Era auxiliado por um
contra-regra. Tinha eu na mesa e tinha o Moacir Ribeiro, que era o
contra-regra, que fazia os efeitos de passos, subindo escada, abrindo porta,
batendo na porta, campainha, tudo na hora, feito ali.
Já com o rádio em transição para a fase das emissoras
segmentadas, destacam-se profissionais como Alcides Krebs e Bruno Steiger, da
Guaíba, responsáveis, por exemplo, pela transmissão das cerimônias de
inauguração de Brasília em abril de 1960. Sob a supervisão do engenheiro Homero
Carlos Simon, a cobertura por si demonstra as dificuldades de transporte e telecomunicações
da época, vencidas por um transmissor de single
side-band (SSB) e pelo esforço dos profissionais da emissora. A primeira
dificuldade a superar é, então, a distância entre a nova capital e o Sul do
país. Até São Paulo, a equipe da rádio desloca-se de avião. De lá até o destino
final – 1.280 km
de estrada, dos quais 250 de chão batido – utilizam uma Kombi. No Planalto
Central, há que localizar um terreno de 280 por 160 metros , adequado à
instalação das antenas rômbicas, posicionadas, com o auxílio de uma bússola, de
modo a direcionar o sinal para Porto Alegre. Utilizando uma área próxima à
torre da Rádio Nacional, emissora que cede a energia elétrica para a Guaíba,
quatro mastros de eucalipto com 11 metros de altura são colocados formando um losango:
240 metros
de fio de cobre nos lados maiores, 160 nos menores, raspados e emendados com
solda a cada 10. Junto com a instalação de um pesado transmissor de SSB, o
trabalho em seu conjunto consome parte da madrugada e do dia seguinte,
antecedendo a transmissão propriamente dita. Uma trabalheira impossível sem o
empenho dos técnicos da Guaíba, tanto em Brasília como em Porto Alegre. Na
emissora da Caldas Júnior, não se pode esquecer de um decano destes
profissionais: Celso Costa. Contam que, sem ele, a Rede da Legalidade não teria
se concretizado.
Um exemplo do qual fui testemunha, já do radiojornalismo
consolidado e com a transmissão integral do fato interessante suspendendo a
programação normal de uma emissora, é o que ocorre, na Gaúcha, nos dias 4 e 5
de janeiro de 1988, quando do motim na Penitenciária Estadual do Jacuí, em
Charqueadas, a 56 km
de Porto Alegre. Pela distância, a qualidade de som das unidades móveis não é a
ideal. Fora isto, não existem linhas telefônicas passíveis de uso. Em uma época
pré-telefonia celular, para garantir que a reportagem da rádio fale ao vivo do
acesso à prisão na estrada RS 401, o técnico Francisco Paulo Bisogno, o Chicão,
passa a operar um transreceptor, captando o sinal dos hand-talks, os radiocomunicadores utilizados então pelos
repórteres, reforçando-o na irradiação para as instalações da emissora.
A estação da Rede Brasil Sul tem, na época, uma excelente
equipe técnica. Se nas transmissões externas, normalmente associadas ao
futebol, destacam-se profissionais como o Chicão, além de Alcides Farias,
Carlos Alberto Braga e João Carlos Sosnowski, junto aos estúdios está o
experiente Holmes Aquino, só ele uma parte da história do rádio da Zona Sul do
estado e da capital gaúcha ao longo da segunda metade do século 20. Há, na
central técnica, Antônio Edson Peres, o Caverna, que, sem meias palavras,
consolida-se, nas décadas seguintes, como a principal liderança do Sindicato
dos Radialistas do Rio Grande do Sul. No estúdio principal, entre outros, está
o sempre preciso e solicito Glademir Menezes, o Gaiola, e, nas gravações, gente
como Cley Correa; Isaac Barrientos; Jorge Cecílio; Lauro Pons Santos, o
Laurinho; Luiz Gonzaga; Manuel Almeida, o Maneca; e Marco Aurélio Pacheco, o
Magrão. Todos operam, na época, pesados gravadores de rolo e algumas mesas de
áudio transistorizadas, embora ainda existam equipamentos valvulados. Sem
computadores ou sofisticados softwares, corrigem, com estilete e uma fitinha
adesiva, gaguejadas e imprecisões de entrevistados e entrevistadores. O mesmo
fazem seus colegas da Guaíba. Gente como Délcio Kaiser, Miguel Giuseppe, José
Krebs, Ronaldo Krebs, José Coutinho...
Para se entender um pouco como era o trabalho desse pessoal
antes dos computadores, vale lembrar que, para as inserções sonoras rápidas,
eram usados cartuchos, ou seja, uma fita de um rolo que, girando sobre seu
próprio eixo, mantém sempre a gravação no ponto para ser veiculada. Com este
tipo de equipamento, na Gaúcha e, depois, na Guaíba, um desafio para o técnico
vai ser a colocação no ar do programa Flávio Alcaraz Gomes Repórter. Repleto de
vinhetas, efeitos sonoros e participações de comentaristas, repórteres e
entrevistados, a atração de início de manhã exige muita atenção e uma operação
precisa de cartucheiras, gravadoras de rolo e da própria mesa de áudio. Nesta
tarefa, há que recordar o operador Dickson Ricardo, com passagem pelas duas
emissoras.
Se a estação tem menos recursos que as duas líderes do
segmento de radiojornalismo, o operador é ainda mais exigido. No início da
década de 1990, profissionais como Edson Leandro, Luiz Matoso Braga, Genésio de
Souza, Joãozinho Carvalho, Mauro De Mari, Paulo Semensatto e Luiz Alberto Barbosa são exemplos
disto na Bandeirantes AM, de Porto Alegre. Há, ainda, os que, destacando-se na
parte técnica, migram para outras funções, caso de Paulo Pires, radialista de
amplos conhecimentos esportivos, que, também na Band, da operação vai para o
plantão esportivo, a apresentação e os comentários. Caso também de Otto Bede,
de precisos cortes e efeitos no teclado de um PC operando os SoundForges da
vida, atualmente produtor na Guaíba.
Existem também aqueles com quem a gente trabalha nas
faculdades e se tornam fundamentais na vida de estudantes. Fora alguns dos já
citados, como o Dickson, o Laurinho, o Magrão e o Otto, tive a sorte de
trabalhar também com caras como o Eloi Lopes, o João Blattner, o Marcell Bocchese, o Neudimar da
Rocha (Batata) e o Ricardo Pereira. A eles, muitos alunos devem, com certeza,
parte das notas dadas por nós professores.
Aqui vale o velho clichê de desculpas sobre os profissionais
não lembrados. Os citados, de fato, ficam como exemplo de funções sem o
pretenso glamour dos títulos universitários, muitas vezes desprezados pelos
portadores de diplomas, mas, com certeza, essenciais. Afinal, quem vai saindo
das universidades, com seu canudo de baixo do braço, que saiba: rádio é
trabalho de equipe e um bate-papo com um bom técnico vale, por vezes, como
muitas aulas. Eu tenho certeza disto. Com vários destes profissionais, aprendi
o que nenhuma aula ensina.
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