Os Discocuecas colocam em curto-circuito o rádio gaúcho
2006
Luiz Artur Ferraretto
Os Discocuecas (1983)
Da esquerda para a direita, Gilberto Travi, Mestre
Julio, Beto Roncaferro e Toninho Badarok.
Fonte: Acervo particular de Julio Fürst.
Em 1977, começa o ciclo daquele que vai se transformar no
último programa exclusivamente humorístico do rádio em amplitude modulada do
Rio Grande do Sul. Ocupando o horário das 18 às 19h, na Continental, Julio
Fürst, encarnando então o Mestre Julio, coloca no ar, nos últimos 15 minutos do
seu programa, paródias de comerciais, músicas satíricas e personagens cômicos.
Junto com Beto Roncaferro (Jorge Gilberto Dorsch), Gilberto “Bagual” Travi e
Toninho Badarok (João Antônio Araújo), cria, assim, os Discocuecas, explorando
a paródia e a gozação na abordagem do universo artístico e comunicacional da
sua época, a da transição entre a ditadura e a democracia.
Referência satírica à moda discothèque, inaugurada um pouco antes com o lançamento de Love to Love you Baby, de Donna Summer,
o trabalho dos Discocuecas ganha corpo, ao longo de 1978, quando o filme Embalos de Sábado à Noite, de John
Badham, chega aos cinemas brasileiros e a novela Dancin’ Days, de Gilberto Braga, estoura na Rede Globo de
Televisão. No ritmo mais tocado então pelas rádios, fazem sucesso junto aos
ouvintes, no final da década, canções próprias – como É Só Dançar, lançada em 1978 pela gravadora Isaec – ou paródias –
por exemplo, A Nonna Viu, uma versão
de In the Navy, do grupo
nova-iorquino Village People, cantada sobre a base sonora original:
A nonna viu
Eu e tu, eu e tu, eu e tu,
namorando a fu...
Sentado no sofá da sala de estar,
só com a luz do corredor,
eu, tentado chegar mais
pra te beijar,
agressivo e sem pudor,
Tanto tempo ali ficamos numa boa,
curtindo na escuridão,
que eu me esqueci da nonna na cozinha,
preparando macarrão
A nonna viu...
Eu tentando te beijar
A nonna viu...
Eu tentando te agarrar
A nonna viu...
Eu tentando me passar
A nonna viu...
Tu deixando eu te beijar
A nonna viu...
Tu deixando eu te agarrar
A nonna viu...
Tu deixando eu me passar
Johnny Tric-Tric e a música A
Nonna Viu (1983)
De um programa dos Discocuecas na Rádio Universal.
Gravado em uma tarde de sábado por um adolescente qualquer.
Fonte: Acervo particular.
No segundo semestre de 1978, Julio Fürst transfere-se para a
Rede Brasil Sul, trabalhando no projeto de estruturação da rádio jovem em
frequência modulada da RBS, coordenado por José Pedro Sirotsky e que vai dar
origem à Atlântida FM. No ano seguinte, a convite de Ruy Carlos Ostermann, que
dirige a Gaúcha, estreia às 13h de domingo o Discocuecas em Curto-circuito, antecedendo as jornadas esportivas
da emissora. Durante uma hora, a produção, previamente gravada e editada,
dedica-se ao deboche sem poupar nem os patrocinadores. A Cerâmica Cordeiro, por
exemplo, ganha um slogan – “O barro que não tem cheiro” –, aproveitando a
liberalização dos costumes e o fim da censura.
Na primeira
meia hora do programa, o conteúdo assemelha-se ao que era transmitido na
Continental. No restante, entretanto, acontece a radionada esportiva, afinal,
para os Discocuecas, “jornada tem que ser em jornal”. Forma-se, deste
modo, uma equipe de esportes com diversos personagens, alguns deles parodiando,
no estilo ou apenas no nome, profissionais de destaque no rádio do Rio Grande do
Sul. Na interpretação de Mestre Julio, escandindo vogais e reforçando os erres,
o narrador principal é Golomar Ranzinza, brincadeira com o nome de Armindo
Antônio Ranzolin:
– Está no aaarrr, a rrraaadionada eeesssporrrtiva. Aqui,
Gooolomarrr RRRanzinza...
Acompanhando a partida, estão repórteres como o magro
Pelotinha Rick Júnior – “Bah, tu viu cara? Pegou a bola, bah, bate nos peitos
e, bah, é gol...” –; o afetado Luís A. de Carmine Sá, que prefere fazer a
cobertura dos vestiários, em meio a musculosos jogadores de futebol; e Anacleto
Batata, uma das mais populares criações dos Discocuecas. Este último, por
sinal, tem algumas de suas intervenções antecedidas por uma irreverente
vinheta, cantada com sotaque germânico trocando os bês por pês:
– Quem é o repórter da colônia?/ Quem é o repórter parra
limpa?/ Quem é que rima com parata?/ É o alemão Anacleto Batata...
Vinheta de Anacleto Batata, o repórter da colônia (1980)
De um Discocuecas
em Curto-circuito. Gravado em um início de tarde de domingo por um
adolescente qualquer.
Fonte: Acervo particular.
Os Discocuecas criam, ainda, Narrando Bem e Comentarinho,
especializados na transmissão de improváveis competições esportivas, como jogos
de amarelinha, palitinho ou cinco-marias e corridas de aro de bicicleta.
Destaca-se, ainda, Johnny Tric-Tric, um disc-jóquei que chama
suas ouvintes de “queridocas”, lança as músicas dos Discocuecas e apresenta
traduções muito próprias dos hits internacionais da época. Na parte
regionalista, o Teixeirinha Amanhece Cantando,
programa então apresentado por Vitor Mateus Teixeira na Farroupilha,
transforma-se em Rancheirinho Enriquece Cantando,
com Mary Terezinha, a parceira do cantor gauchesco, tornando-se Ceres
Farmacinha.
Rancheirinho e Ceres Farmacinha (1983)
Fonte: Acervo particular de Julio Fürst.
Com a saída de Ruy Carlos Ostermann da direção da Gaúcha, o Discocuecas em Curto-circuito é
cancelado. O grupo passa a se dedicar, então, a shows, gravando também alguns
discos. Em meados de 1983, o programa volta ao ar, por um período, na Universal
FM, nos sábados, das 19 às 20h. Torna-se, assim, o primeiro humorístico
transmitido em frequência modulada no Rio Grande do Sul. Nos anos seguintes, de
modo esporádico, a comicidade dos Discocuecas aparece na forma de quadros em
programas como Gaúcha Fim de Semana e
Gaúcha Hoje, na Rádio Gaúcha AM. O
grupo despede-se em 1997, com a gravação do CD Metamorfose.
Os dados existentes indicam que o Discocuecas em Curto-circuito constitui-se no último programa do
gênero, no Rio Grande do Sul, a contar com um trabalho de produção semelhante
ao realizado no auge do espetáculo radiofônico: texto cuidadoso, uso adequado
da voz e correta utilização de efeitos sonoros. Trabalho de humor meticuloso
que, seja pela sua qualidade, seja pelo deboche como crítica, faz falta ao
rádio do Rio Grande do Sul e dos demais estados brasileiros.
Cara, Hey Tchê, pra mim, que nasci em 79 é um clássico do Rock Gaúcho!
ResponderExcluirVocês são a essência bem humorada da genialidade musical do RGS. Acho que hoje em dia não tem mais como fazerem caras como vocês! Curto de mais "LENDAS" como vocês. Numa dessas andanças vem pra Balneário Camboriú pra gente tomar um mate e fazer um Rock Bagual!
Risos. Sensacional.
ExcluirMuito antes dos Mamonas, os caras já faziam humor na música e no rádio.Faz falta programas como esse no rádio gaúcho e brasileiro.
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