O rádio e a crise nos Associados
2014
Luiz Artur Ferraretto
O Jornal Bandeirantes noticia
o encerramento das operações da Rede Tupi (18 de julho de 1980)
Fonte: YouTube.
Em janeiro de 1974, quando um incêndio atinge as instalações
da Rádio Farroupilha e da TV Piratini, os Diários e Emissoras Associados
encontram-se já em uma fase crescente de desestruturação. No dia 19 de abril de
1974, em um forte indício deste processo, uma assembleia extraordinária dos
condôminos decide fechar O Jornal,
que, 50 anos antes, no Rio de Janeiro, dera início ao conglomerado empresarial
montado por Assis Chateaubriand.
A situação no Rio Grande do Sul não é muito diferente. No
final de 1973, mesmo com os resultados positivos obtidos pela Farroupilha então,
esboça-se uma transação envolvendo os empreendimentos locais do grupo. Durante
uma reunião da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, Flávio
Alcaraz Gomes faz uma pré-negociação com João Calmon, dos Associados. Oferecida
a Breno Caldas, o proprietário da Companhia Jornalística Caldas Júnior e da
Rádio Guaíba rechaça a compra de novos veículos de comunicação. Gomes articula,
então, o apoio de alguns empresários, entre eles Roberto Maisonnave. O
fechamento da transação fica condicionado a uma auditoria, que acaba
constatando o alto grau de endividamento dos Associados no estado, na época
controlando, além da Farroupilha, a TV Piratini e o Diário de Notícias, em Porto Alegre , e o jornal A Razão, na cidade de Santa Maria. Na imprensa, cogita-se também do
interesse de Jorge Gerdau Johannpeter com o negócio, que nunca seria fechado,
atingindo Cr$ 50 milhões, o equivalente, na época, a US$ 8 milhões.
Neste contexto, a reforma completa das instalações atingidas
pelo incêndio nunca vai ser finalizada, embora a Farroupilha ainda registre por
alguns meses um bom desempenho em termos de audiência. Quando o mesmo Flávio
Alcaraz Gomes assume a direção da rádio, no dia 14 de fevereiro de 1979, o
jornalista registra em seu diário, trecho reproduzido no livro Prisioneiro 39.310 profissão: repórter:
Acompanhando a decadência do império associado, a Farroupilha é pobre e suja. Mas tem o único canal exclusivo internacional do Sul e é ouvida onde as outras não chegam.
O novo diretor encontra os 40 funcionários da rádio
desmotivados e enfrentando atrasos salariais, na época, de sete a oito meses.
Procura explorar, então, ao máximo os recursos disponíveis. Aproveitando o
canal livre que dá ampla abrangência ao sinal da Farroupilha, leva os
principais comunicadores da emissora para cidades do interior gaúcho, fazendo
uma espécie de radiografia sonora de cada município visitado. No dia 14 de
julho, a partir das 6h, marcando os 210 anos da Revolução Francesa, coloca no
ar boletins de hora em hora – os programetes Paris. Urgente! –, narrando os principais fatos históricos
relacionados à data, como se estivessem acontecendo simultaneamente à
irradiação. Ao longo do semestre, a rádio já consegue duplicar o seu
faturamento. Em 15 de outubro, às 7h, estreia o Programa Flávio Alcaraz Gomes. Mais ou menos por esta época,
Cândido Norberto Santos procura, no horário do meio-dia, repetir, com o Sala de Imprensa, na Farroupilha, o
sucesso do Sala de Redação, programa
de debates criado por ele na Gaúcha, em 1971.
No ano de 1980, ocorre o que Flávio Alcaraz Gomes define como
“um lance de marketing em um momento delicado para a rádio”. O diretor geral
dos Diários e Emissoras Associados no Rio Grande do Sul, Estácio Ramos, acerta
com o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Rubens Freire
Hoffmeister, a exclusividade nas transmissões dos jogos do campeonato daquele
ano, pagando Cr$ 30 milhões, uma pequena fortuna, a título de direito de arena.
No episódio, a Farroupilha acaba entrando em choque com a Associação Gaúcha de
Emissoras de Rádio e Televisão. A diretoria da Agert mobiliza-se e consegue
derrubar em definitivo o acordo entre os Associados e a federação, que fica
como o último lance de impacto envolvendo a Farroupilha, ainda sob controle do
grupo criado por Assis Chateaubriand.
A cassação, em 18 de julho de 1980, das concessões de parte
dos canais da Rede Tupi de Televisão, entre eles o da Piratini, reduz as
possibilidades de reação do conglomerado empresarial. Na época, 26 ações contra
os Associados estão sendo executadas judicialmente em Porto Alegre. A
dívida com a Previdência Social chega a Cr$ 72,5 milhões, o equivalente a US$
1,4 milhões. No dia 31 de dezembro de 1979, também já havia deixado de circular
o Diário de Notícias.
Nesta situação, em 1981, os Diários e Emissoras Associados e
a Rede Brasil Sul de Comunicação realizam aquilo que a revista Visão define, em fevereiro de 1982, como
“um excelente negócio para todos”. De um lado, a RBS fica com o canal livre
internacional. Assim, ocorre uma troca de frequências com a Rádio Gaúcha,
então, já com 100 kW de potência, passando a transmitir nos 600 kHz e deixando
os 680 kHz para a Farroupilha. De outro, os Cr$ 100 milhões do negócio são
canalizados para o pagamento das dívidas dos Associados, em especial as
trabalhistas. No ano seguinte, em 12 de março de 1982, a RBS incorpora a
própria Farroupilha. Na época, a Empresa Jornalística De Grandi, por seu turno,
assume o jornal A Razão, de Santa
Maria.
Na prática sem veículos de comunicação, restam no Rio Grande
do Sul, dos outrora poderosos Diários e Emissora Associados, apenas três razões
sociais – Rádio Televisão Piratini S.A., Rádio Farroupilha S.A. e S.A. Diário
de Notícias – e as dívidas, em especial, com o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) e o Instituto de Administração Financeira da Previdência e
Assistência Social (Iapas). Deste modo, no dia 19 de maio de 1982, o braço
gaúcho do grupo entra em
liquidação. A partir do ano seguinte, a Farroupilha, sob
comando da RBS, volta a registrar o grande número de ouvintes do passado.
Graças à contratação do comunicador Sérgio Zambiasi e a uma programação voltada
ao segmento popular, assume, em pouco tempo, o primeiro lugar na audiência
geral nos levantamentos do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Estatística, posição mantida ainda no início do século 21.
Uma cena de cinema, na etapa final da história dos associados no sul. Estácio Ramos, diretor-geral, e clementino Pinheiro, diretor financeiro, acertaram a venda da fazenda Chambá para a AVIPAL. Tratava-se de uma área de quase 400 hectares, com inúmeras benfeitorias, e o dinheiro destinava-se a pagar direitos trabalhistas. Um dado relevante, aliás: os diários Associados pagaram todos os seus débitos no Rio Grande do Sul, inclusive os de ordem fiscal. Naquele momento, no entanto, havia débitos bancários, e o cheque recebido da AVIPAL, se fosse depositado, seria imediatamente bloqueado pelo BANRISUL. Estácio e Clementino não tiveram dúvidas. Armaram-se de revólveres e duas enormes sacolas e foram retirar o dinheiro na agência central do banco. No trajeto até a esquina da rua General Câmara, em meio à praça da Alfândega, andaram apressados, de revólver nas mãos, olhando para os lados, assustados, o coração aos pulos.
ResponderExcluirHoje, ambos reconhecem: se alguém os assaltasse, não saberiam o que fazer.
Extraído de DIÁRIO DE NOTÍCIAS - O ROMANCE DE UM JORNAL de CELITO DE GRANDE (L & PM, 2005)