O rádio de Porto Alegre e o incêndio das Lojas Renner
2006
Luiz Artur Ferraretto
O jornal Zero Hora
relembra o incêndio das Lojas Renner (29 de novembro de 1999)
Fonte: Zero Hora,
Porto Alegre, 29 nov. 1999. p. 53.
Tarde do dia 27 de abril de 1976, há 30 anos. O movimento de
funcionários e clientes é intenso nos oito andares das Lojas Renner, na esquina
da rua Doutor Flores com a avenida Otávio Rocha, bem no centro de Porto Alegre.
Por volta das 14h, uma explosão em um dos depósitos, cheio de latas de
solventes, quebra a rotina de compra e venda. O barulho ensurdecedor assusta a
todos. As tentativas de conter as chamas são prejudicadas por novas e
sucessivas explosões. É o começo da maior tragédia registrada até então na
capital do Rio Grande do Sul, que vai servir de divisor na evolução da
reportagem radiofônica no estado. De fato, a cobertura do incêndio comprova o potencial do
jornalismo como segmento de mercado e demonstra que, de um lado, naquele
momento, a equipe de reportagem da Gaúcha constitui-se na mais estruturada do
rádio porto-alegrense. Com Celso Ferreira no estúdio, Carlos Bastos na
retaguarda de produção e Sérgio Lima na chefia dos repórteres, a emissora
coloca duas unidades móveis no palco de ação do fato e deixa outra no Hospital
de Pronto Socorro, enquanto uma quarta movimenta-se pela cidade na repercussão
do incidente. Na época, a estação da família Sirotsky ainda veicula programas
de variedades, que ganham, no entanto, tons cada vez mais jornalísticos na
tentativa de conquistar espaço na fatia de mercado dominada pela Guaíba.
De outra parte, o incêndio põe à prova a falta de ousadia da
rádio ligada à Caldas Júnior. Situado a menos de dez quarteirões dos estúdios
da Guaíba, o prédio de oito andares queima durante sete horas, deixando 40
mortos, dezenas de feridos e o prestígio da emissora abalado. Embora, por volta
das 14h, o Correspondente Renner seja o primeiro informativo a dar a notícia,
não há repórteres para acompanhar o fato, como registra Cláudio Costa Mércio,
autor da dissertação de mestrado Correspondente
Renner/ Aplub: 45 anos de permanência no ar:
Até aquele momento, a grande figura do setor era o redator,
que apenas recebia informações e só em ocasiões excepcionais as buscava.
Faltava à Guaíba a presença do repórter, alguém que estivesse no local onde os
fatos ocorressem.
A Rádio Gaúcha, ainda uma emissora de programação eclética,
aproveita, no entanto, o potencial de quatro unidades móveis, fazendo ampla
cobertura. O mesmo acontece, guardadas as possibilidades de cada emissora, com
a Difusora e a Farroupilha. Ao contrário, reconhece Armindo Antônio Ranzolin,
então responsável pelo Departamento de Esportes da emissora ligada à Caldas
Júnior:
– A Guaíba – que havia falado do outro lado do globo, que
fizera copas do mundo, que fora à guerra com Flávio Alcaraz Gomes –, naquele
dia, não conseguia vencer alguns quarteirões para transmitir um incêndio.
Antes do incêndio e desde o início de 1976, no entanto, um
grupo de funcionários já se articulava, buscando junto aos proprietários da
empresa a aprovação de algumas medidas para a modernização da rádio. Cria-se,
então, informalmente, uma espécie de comitê, integrado, entre outros, por Amir
Domingues, Antônio Britto Filho, Armindo Antônio Ranzolin, Adroaldo Streck,
Ênio Berwanger, Flávio Alcaraz Gomes e Homero Carlos Simon, que redigem um documento
submetido ao empresário Breno Caldas. Conforme Ranzolin, o memorando
encaminhado à direção da empresa faz um preciso diagnóstico da situação da
emissora:
– Nós fizemos um comitê de 15, 16 pessoas e exigimos uma
definição do doutor Breno. Afinal, quem é que mandava na rádio? Fizemos uma
grande discussão sobre os problemas da Rádio Guaíba. Primeira conclusão: a
rádio não tem diretor. Morreu o Arlindo Pasqualini e nunca mais foi nomeado
outro diretor. Este comitê produziu uma ata da reunião e encaminhou ao doutor
Breno. É um documento importantíssimo na história da Rádio Guaíba. Começava com
a exigência de definição de um diretor. Nós analisávamos as ameaças de mercado
à emissora. Não tínhamos televisão. Não tínhamos frequência modulada. Tínhamos
uma rádio velha – cada vez mais lenta, nos seus processos de decisão – e
acéfala. O documento mostrava claramente que havia uma ameaça da Rede Brasil
Sul à Caldas Júnior na mídia eletrônica e que nós tínhamos de reagir, botando
no ar, imediatamente, o FM. Tínhamos de passar o nosso transmissor de ondas
médias de 50 para 100 kW, para o que já havia autorização do Ministério das
Comunicações. Tínhamos de modernizar a operação da rádio.
Como resultado destas articulações, Francisco Antônio Caldas
assume a direção da Guaíba, tendo Ranzolin como seu assistente, que escolhe
Antônio Britto para coordenar o jornalismo da emissora. A partir daí,
estrutura-se uma equipe de reportagem e são adquiridos equipamentos para dotar
a rádio de unidades móveis. A figura do repórter ganha espaço na programação,
em especial após o surgimento, no ano de 1977, do Linha Aberta, o primeiro
radiojornal moderno da Guaíba, transmitido de segunda a sexta, das 13h15 às
14h. Este processo de recuperação, no entanto, perde força à medida que, de modo
geral, se agrava o quadro econômico da Companhia Jornalística Caldas Júnior e
da Rádio Guaíba S.A., que levará, no futuro, à venda do grupo para o empresário
Renato Ribeiro.
Problemas empresariais à parte, portanto, subindo a vários
metros de altura e dando origem a uma coluna de fumaça podendo ser vista a 10 km do centro de Porto
Alegre, as chamas daquela tarde, há 30 anos, demonstraram a necessidade de uma
reportagem ágil, que acompanhe o fato onde este acontece. Para o
radiojornalismo gaúcho, das cinzas da Renner vai nascendo, assim, uma forma
renovada de transmissão, que, na década seguinte, com a Gaúcha, ganha mais e
mais abrangência, acompanhando o crescimento da emissora, a nova líder deste
segmento em Porto Alegre. É deste modo que a estação em amplitude modulada da
RBS vai interromper sua programação, passando a acompanhar, até o seu desfecho,
motins, greves, eleições, assaltos de grande porte, sequestros, mortes de
celebridades...
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