Fernando Westphalen e a Continental, pioneira em rádio jovem
2010
Luiz Artur Ferraretto
Fernando Westphalen (anos 1970)
Fonte: HAESER, Lucio. Continental
– A rádio rebelde de Roberto Marinho. Florianópolis: Insular, 2007. p. 25.
Não sei se o relógio do Edifício Chaves Barcelos, espécie de
Big Ben do Centro de Porto Alegre, funcionava sempre ou era meio que
intermitente. Sei, no entanto, que muita gente, ao cruzar a Rua da Praia,
olhava ainda para cima, algo admirado pelo tamanho de alguns edifícios, e dava,
vez ou outra, de cara com o relógio lá nas alturas. O mar de gente percorria
assim a Andradas, sem areia ou oceano, a Rua da Praia sem praia, como numa
velha canção da década anterior, ainda ecoando pelo centro da cidade naquele
início de anos 1970. Lá dentro, em um canto do edifício, um grupo de
radialistas reunidos em torno do publicitário Fernando Westphalen começava a
fazer uma rádio nos 1.120 kHz do dial em um ritmo bem menos previsível do que aquele
lá de fora, do tic-tac do relógio e dos passos da multidão. Ah, por falar em
passos, acrescente-se que o país vivia mesmo em ritmo de marcha, de marcha
militar, por força do golpe que impunha, desde 1964, uma ditadura em todo o
território nacional.
Curioso que logo ali, no quinto andar do edifício, numa
emissora de rádio pertencente ao empresário Roberto Marinho, aliado de primeira
hora do grupo de verde-oliva, sairiam sons no ritmo da juventude e – horror dos
horrores nas escutas da Polícia Federal – de crítica ao regime. Da rádio de
poucos ouvintes, surgia a “superquente Con-TI-nen-tal” uma das formas usadas
por um de seus comunicadores, assim mesmo com as sílabas separadas e um
improvável TI tônico.
Ex-funcionário da MPM Propaganda, Fernando Westphalen sabia
da existência de um nicho não explorado pelo rádio da época: o dos jovens de
classe média ou alta, secundaristas, vestibulandos ou universitários. A Globo,
por sua vez, mantinha no Rio de Janeiro a Mundial, emissora em que se destacava
um ensandecido Big Boy, o radialista Newton Duarte, de fato, o primeiro
disc-jóquei jovem do rádio brasileiro.
– A Mundial tinha, naquela época, uma belíssima audiência
entre o público jovem, mas se preocupava com o Ibope muito mais do que a gente
pretendia. Nós, então, mudamos tudo na época, todo o linguajar do rádio. O
rádio era impessoal. O locutor falava com todo o respeito para a família. Era o
prezado ouvinte. Era o senhor ouvinte. Ora, depois do advento do transistor e
da TV, o rádio sumiu da sala de visitas. Passou a acompanhar os jovens, o que,
no meu caso, era o que interessava. Os jovens estudavam com o rádio ligado. A
linguagem não podia ser aquela. Começamos até a pesquisar gírias que eles
usavam e, mesmo, inventar: marca diabo, magrinho... Por exemplo: “Na
Continental, marca diabo não entra”. Ninguém sabia o que era. Então, nós
começamos a definir: “Marca diabo é tudo que for cafona”. Aí, uma das frases
que nós usávamos era: “A Continental não toca Roberto Carlos”.
Esta rádio que não toca as canções do rei nem de outros
astros da Jovem Guarda vai operar em uma Porto Alegre onde ainda ecoam as
guitarras de Woodstock e as últimas novidades internacionais chegam, por vezes,
trazidas por algum amigo fronteiriço: o título das músicas traduzido para o
espanhol, apesar da gravação original em inglês, bem ao estilo da indústria
fonográfica argentina da época. Sem as facilidades dos tempos da internet, a
direção da emissora faz malabarismos para manter uma proposta diferenciada,
indo além do simples atingir fácil o gosto do ouvinte. A programação baseia-se em 50%
de músicas brasileiras e 50% de sucessos internacionais, estes últimos
adquiridos, não raro, no exterior por Aldo Caye, um piloto da Viação Aérea
Rio-grandense (Varig), que, nas transmissões da Continental, ganha o nome de
Agente 1.120. O subterfúgio garante um poderoso elo de identificação com os
pontos de encontro do público da rádio: as canções trazidas, diretamente, de
centros como Nova Iorque e Londres são as mesmas que tocam nas boates da moda
como Whisky a Go-Go e Encouraçado Butikin. Reforçando a certeza nas escolhas
musicais, a Continental assina as revistas estadunidenses Billboard e Cashbox. De
acordo com Fernando Westphalen, a escolha das músicas baseia-se, então, em uma
espécie de pedágio cultural:
– A gente dizia que a música brasileira era o pedágio que
eles tinham de pagar para ouvir o resto. Na música brasileira, não fazíamos
concessão de qualquer espécie. Aquele disco Clube
da Esquina, do Milton Nascimento, nós estragamos dois elepês de tanto
tocar. Tocávamos Edu Lobo, Paulinho da Viola...
Há, ainda, uma incoerência óbvia entre o discurso local e a
prática nacional do Sistema Globo de Rádio ou Rede Globo de Radiodifusão,
denominações que se confundem na época. Segundo Fernando Westphalen, a
distância entre a sede no Rio de Janeiro e a Continental em Porto Alegre
facilita um pouco. E, afinal, a direção da rádio havia recebido carta branca
nas negociações iniciais. Para Westphalen, no entanto, os funcionários da
emissora tinham bem clara a sua ideologia:
– Nós, sem dúvida, éramos de esquerda, mas a nossa
justificativa de marketing era perfeita. O nosso público era de esquerda,
embora não soubesse. O nosso público não tolerava o regime. Convivia, mas não
aprovava. Este público precisava receber alguma coisa de rebeldia, alguma coisa
com que ele se identificasse.
A rádio vai ser vítima da censura com suas transmissões sendo
suspensas e seus funcionários, detidos ou chamados para dar explicações às
autoridades do regime. No entanto, provando a viabilidade do rádio voltado ao
segmento jovem, a Continental gera, ainda, as bases para que o seu modelo seja
copiado por outras emissoras na capital gaúcha, como a Pampa e a Porto Alegre.
Não sobreviverá, no entanto, à chegada das FMs. Hoje, em um rádio jovem com
excesso de músicas repetidas, falta geral de criatividade e ameaçado pelos downloads de canções na internet, fazem
muita falta a inteligência e o jeito irreverente da emissora dos 1.120 kHz,
aquela de quatro décadas atrás, a marcar na memória bordões:
– Na Porto Alegre das menininhas do Colégio Bom Conselho,
duas e 10. Continental, ZYH-223, 1.120 kHz...
Anúncio da Rádio Continental (1976)
Fonte: Risco,
Porto Alegre, 1976. p. 11.
Vinheta da Rádio Continental (anos 1970)
Fonte: Acervo particular de Francisco Anele Filho.
Programa Radiovisão sobre a Rádio Continental (28 de novembro
de 1992)
A produção do programa da TVE, de Porto Alegre, reúne
a equipe da Rádio Continental.
Fonte: Acervo particular de Lúcio Haeser.
Curti muito, mas muito mesmo a Rádio Continental 1120.
ResponderExcluirTempos idos, que lembranças que saudades......