De 1974 a
1986: a Copa do Mundo e a ascensão da Rádio Gaúcha
2006
Luiz Artur Ferraretto
Equipe esportiva da Rádio Gaúcha (1981)
Da esquerda para a direita, atrás, Newton Azambuja,
Roberto Brauner, João Nassif, Afonso Licks, Haroldo de Souza, Kenny Braga, João
Garcia, Ruy Carlos Ostermann e Paulo Azevedo; na frente, Raul Moreau, Marcelo Fernandes, Ênio
Melo, Wianey Carlet, Peninha*, Pedro Ernesto Denardin e Luís Fernando Siqueira (Pelotinha).
* Nome verdadeiro não identificados no
original.
Fonte: RÁDIO GAÚCHA AM.1981
Grêmio Campeão do Brasil. Porto Alegre, 1981. Capa do LP.
Depois do fracasso da Seleção Brasileira na Inglaterra, em
1966, e da redenção do tricampeonato do México, com a Guaíba, na voz de Pedro
Carneiro Pereira, liderando entre as emissoras do Sul do país, a Gaúcha vai, de
certa forma, devolver a esperteza tecnológica do off tube aplicada por Flávio Alcaraz Gomes oito anos antes. A
emissora da família Sirotsky vale-se de uma indiscrição para começar o lento e
longo processo que vai levá-la à liderança no segmento de radiojornalismo no
Rio Grande do Sul.
Em 1970, do México, o sinal da Guaíba, que opera, então, em
conjunto com a Emissora Continental, do Rio de Janeiro, havia chegado via
satélite. Esta facilidade tecnológica fez com que a estação ligada à Companhia
Jornalística Caldas Júnior planejasse, para o certame seguinte, o uso de um
canal 24 horas, contratado junto à Embratel e ao Intelsat, conectando, assim,
com facilidades inéditas até então, a Europa ao Brasil. A informação, no
entanto, vaza e a Gaúcha acerta, na surdina, o mesmo tipo de serviço via satélite,
acrescentando o aluguel de unidades móveis, que dão mobilidade ao trabalho dos
seus repórteres na Alemanha. Usando uma metáfora, Nelson Sirotsky, responsável,
na época, por a Rede Brasil Sul bancar a retomada das transmissões esportivas,
analisa o impacto do trabalho da Gaúcha na concorrente depois da cobertura das
eliminatórias do mundial:
– A Guaíba ainda não nos dava importância. Não nos ganhava
mais de 10 a
1, mas de 7 ou 6 a
2. Continuava nos ganhando longe. Com as unidades móveis, a Gaúcha deu uma
surra na Guaíba em termos de qualidade. A Guaíba tinha a linha 24 horas, mas
não tinha a nossa agilidade.
Seguindo na tentativa de se equiparar à Guaíba, a estação da
RBS, logo após a Copa do Mundo, contrata o paranaense Haroldo de Souza, então
na Itatiaia, de Belo Horizonte, um narrador “90% de emoção e 10% de coração” na
sua própria definição. Contrapondo-se ao estilo mais contido da Guaíba, explora
figuras de linguagens, gírias e chavões. O radialista escande vogais na sua
maneira particular de anunciar o gol – “Adiviiiiiinheeee...” – para, logo em
seguida, incentivar a comemoração do momento máximo do futebol – “As bandeiras
estão tremuuulaaando, tremuuulaaando... torcedor do Brasil” –, fala secundada,
em meados da década de 1970, por uma vinheta repetindo-a na forma de música.
Quando o time local está em desvantagem, Haroldo de Souza transporta-se para as
arquibancadas: “E, agora, tchê?” ou “Isto é profundamente lamentável, torcedor
do Brasil”. Esta última é usada, ainda, quando alguém comete uma falta grave.
Se o jogador erra em gol ou, para evitar o ataque do adversário, chuta para
fora do campo de jogo, vem um “É bola pro mato que é jogo de campeonato”. A boa
repercussão do trabalho deste radialista junto aos ouvintes da Gaúcha permite
que outros profissionais de atuação semelhante ganhem o microfone da rádio,
como Roberto Brauner, o narrador do “Tudo bem pelo cem”, referência aos 100 kW
de potência inaugurados pela emissora em 1978, na preparação para a cobertura
da Copa do Mundo da Argentina.
É, portanto, com uma equipe de popularidade crescente
associada à credibilidade de Ruy Carlos Ostermann, contratado naquele ano, que
a Gaúcha vai para a Argentina, procurando se equiparar à Guaíba. Dois meses
antes, a emissora da RBS constitui-se, com o repórter Wianey Carlet, na
primeira estação estrangeira a iniciar de Buenos Aires a cobertura da Copa do
Mundo de 1978. Quatro unidades móveis são utilizadas nas cidades onde a Seleção
Brasileira joga. Fora isto, a rádio usa de todas as artimanhas possíveis para
contrabalançar o domínio ainda aparentemente inabalável da equipe de esportes
comandada por Armindo Antônio Ranzolin. Uma orientação algo marota do próprio
Nelson Sirotsky vai confundir o ouvinte, aproveitando a proximidade da Gaúcha,
então nos 680 kHz, com a Guaíba, nos 720, como recorda Roberto Brauner:
– Eu cheguei a Porto Alegre imitando descaradamente o
Ranzolin. Vinha da Rádio Pelotense, de Pelotas, a convite do Jorge Alberto
Mendes Ribeiro. Minha narração era idêntica à do Ranzolin. Usava os mesmos
termos. Tinha o mesmo timbre de voz. Depois, evidentemente, criei a minha
identidade. Então, o Nelson Sirotsky pensou o seguinte: “Se eu tenho alguém com
o mesmo timbre de voz do narrador principal da concorrente, vou levar para a
Copa. De repente, o ouvinte está sintonizado na Gaúcha, achando que está na
Guaíba. Daqui a pouco, ele gosta da equipe e fica sintonizado.”. Assim, eu
acabei indo para Argentina, porque o Nelson Sirotsky queria confundir o ouvinte
a favor da Gaúcha.
O pretendido empate com a Guaíba – para recordar a metáfora
futebolística usada por Nelson Sirotsky – fica, no entanto, para a Copa do
Mundo de 1982, na Espanha, quando a audiência da Gaúcha no mês de junho
registra 15,95% dos receptores ligados, uma leve vantagem em relação à concorrente,
com 15,6%. Então, tem-se, do lado da Rede Brasil Sul, investimentos crescentes,
enquanto as empresas sob controle de Breno Caldas sofrem algumas restrições
como reflexo da crise financeira que começa a se espalhar pelo grupo. Mesmo
assim, o destaque, em termos de inovação, vai para o programa diário matutino A Guaíba no Mundo da Copa, com duas
horas de duração, apresentado por Lasier Martins ao vivo da Espanha, fazendo
uma varredura do cotidiano extrafutebol do país. Com a atração, o jornalista
garante para a emissora o segundo lugar na categoria Rádio do Prêmio ARI
daquele ano.
A disputa entre as duas estações segue no acompanhamento da
conquista das taças Libertadores da América e Toyota, em 1983, pelo Grêmio
Foot-ball Porto-alegrense. A Guaíba ainda tem fôlego financeiro e apoio
publicitário para bancar a viagem do repórter João Carlos Belmonte para Tóquio,
três meses antes de o time gaúcho enfrentar o Hamburgo (Hamburger Sportverein)
pelo torneio equivalente ao Mundial Interclubes. Do sábado, dia 10, avançando
pela madrugada de domingo, 11 de dezembro, Haroldo de Souza, Ruy Carlos
Ostermann, Paulo Sant’Ana e Darcy Filho, pela Gaúcha; e Armindo Antônio
Ranzolin, Lauro Quadros e João Carlos Belmonte, pela Guaíba, acompanham a
vitória do tricolor na prorrogação por 2 a 1. Três anos depois, no México, durante a
XIII Copa do Mundo, todos eles vão estar trabalhando juntos na RBS. Assim, em
termos de equipe de esportes, a Gaúcha conta, na época, com a maioria dos
profissionais que haviam garantido o seu crescimento e que tinham, até então,
feito o sucesso da concorrência.
Colhida em meio à transição de propriedade do conjunto de
empresas antes pertencentes a Breno Caldas, a equipe de esportes da Guaíba que
vai para a Copa do Mundo em 1986 sofre, um pouco antes, a perda de Lasier
Martins, dispensado pela nova administração do grupo. Diretor operacional
durante o período em que os funcionários controlam a rádio na crise geral dos
negócios da família Caldas, o jornalista havia acertado um acordo, prevendo a
operação, no México, em conjunto com a Rádio Clube Paranaense, de Curitiba.
Desde o ano anterior, ele, junto com Antônio Augusto, Edegar Schmidt e Paulo
Sérgio Pinto, desenvolve um intenso trabalho para viabilizar a cobertura. A
saída de Lasier Martins gera insegurança no mercado publicitário com alguns
anunciantes – a Fasolo S.A. Indústria e Comércio, por exemplo – cancelando o
patrocínio já acertado. O novo proprietário, o empresário Renato Ribeiro, até
então ligado ao setor agroindustrial, decide que a Guaíba deve ir sozinha,
bancando a multa por rompimento de contrato. Faz, ainda, alguns investimentos
como o envio de Antônio Augusto – o plantão esportivo, em geral, não viaja – e
a contratação do ex-zagueiro do Internacional, o chileno Elias Figueroa, como comentarista.
No entanto, quando, em julho de 1986, a Gaúcha transmite os
52 jogos da Copa do Mundo, no México, a cobertura, de fato, já se estendia
desde o segundo semestre de 1984, incluindo boletins de enviados especiais e
correspondentes, além da veiculação do programete semanal México 86, aos domingos, às 13h. Sob intenso planejamento,
tecnologias de ponta eram empregadas. Assim, em maio, um pouco antes da Copa, a
Rede Brasil Sul inaugura o Parque Técnico Maurício Sirotsky Sobrinho, na
localidade de Sans-Souci, município de Guaíba, onde é instalada uma torre
omnidirecional – a mais alta do Brasil, com seus 230 metros – para o
sistema irradiante de ondas médias. Antes, já começam a operar novos
transmissores de ondas curtas de 25 (fevereiro de 1986) e 49 metros (outubro de
1985), ampliando a sintonia no interior do estado e em outras regiões do país.
Outro trunfo tecnológico aparece, nas jornadas esportivas, em janeiro de 1985,
quando o Centro de Processamento de Dados da RBS põe em funcionamento um banco
de dados, permitindo rápido acesso às estatísticas completas sobre cada jogo a
ser irradiado pela equipe da Gaúcha. No final, o Instituto Brasileiro de
Opinião Pública e Estatística vai atestar a superioridade da Gaúcha: em junho
de 1986, a emissora da família Sirotsky registra o dobro da audiência da
Guaíba. Logo em seguida, a concessão do Top de Marketing da Associação de
Dirigentes de Vendas do Brasil à cobertura da Copa do Mundo realizada pela
Gaúcha vai comprovar esta virada do jogo iniciado, em desvantagem, em 1974, 12
anos antes.
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