“Varre, varre vassourinha” e as lembranças da infância
2008
Luiz Artur Ferraretto
Propaganda de Jânio Quadros (1960)
Fonte: Acervo particular.
“Varre, varre,
vassourinha!/ Varre, varre a bandalheira/ Que o povo já está cansado/ de sofrer
desta maneira/ Jânio Quadros é a esperança/ deste povo abandonado.” Lá por
1960, quando a TV no interior gaúcho ainda não passava de uma curiosidade bem
distante e o rádio reinava absoluto, o jingle
do candidato da coligação liderada pela UDN ecoava no quartinho dos fundos da
casa da minha família na rua Francisco Marques, em Rio Grande, no litoral sul
gaúcho. Todo o dia era a mesma coisa. Meu pai, não interessa se simpático ou
não a Jânio ou aos adversários do então governador de São Paulo, empunhava uma
vassoura e meio que marchando saía de um lado a outro com meu irmão às costas,
que adorava a sonoridade repetitiva das palavras escolhidas a dedo pelo
radialista Jesuíno Antônio D’Ávila para a campanha presidencial de Jânio. O
velho Ferraretto preferia mesmo o marechal Teixeira Lott, da coligação PTB-PSD,
o “da espada de puro aço nacional”, outra letra de canção propagandística a
opor o nacionalismo do correto militar ao oportunismo matreiro do homem da
vassoura, safári substituindo terno, sanduíche de mortadela a atestar
proximidade com o povo, caspa fingida nos ombros, tudo a reforçar aquele
insistente “Varre, varre a bandalheira...”.
Jingle da campanha de Jânio Quadros (1960)
Fonte: NOSSO SÉCULO. Documentos
sonoros. São Paulo: Abril, 1980. LP.
De campanha presidencial, eu teria, por anos, apenas esta
história e os alfinetes de lapela dos candidatos – a vassoura de Jânio, a
espada de Lott e a boia de Adhemar de Barros –, preservados como relíquia pelo meu
pai como a dizer: “Ah, um dia a gente volta a escolher presidente e, aí, meu
filho, não haverá lugar para a promessa desfeita em renúncia mal-explicada”.
Imagine o desgosto dos milhões de eleitores de Jânio em agosto de 1961, quando,
de forma nunca esclarecida em sua totalidade, ele deixaria o poder, o primeiro
presidente a renunciar na história do país.
Alfinete de lapela da campanha de Jânio Quadros (1960)
Fonte: Acervo particular.
Decisões inéditas e surpreendentes à parte, sem dúvida, no
plano pessoal e no profissional, não há jingle
mais marcante, na minha opinião, do que o da campanha de Jânio, o presidente
eleito por votação esmagadora, a maior da história do Brasil até então.
Votação, na prática, jogada fora – é óbvio – com a renúncia e um enigmático
“Fi-lo, porque qui-lo”, creditando-a a misteriosas “forças ocultas”. A criação
de J. Antônio D’Ávila, no entanto, é prova de todo o conhecimento de seu autor
como radialista e como, diriam hoje, marqueteiro. Constitui-se em arma
fundamental da campanha vitoriosa de Jânio. Ressalta a mudança e já o desejo de
acabar com a corrupção, de mudar o país, que, eleição a eleição – perdoem o
trocadilho – parece varrer também o território nacional. E, infelizmente, fica
por isto. Mas vejam só: quando um jingle
entra para o imaginário de uma criança está comprovada a sua eficácia. Este
tipo de conteúdo propagandístico-musical deve ter mesmo algo de infantil. É
feito para não sair da cabeça, como uma velha cantiga de roda ou como uma
lembrança de 20, 30 anos atrás.
Quem sabe, então, neste caso específico, se é que os
políticos vão para o céu, cruzem-se, fantasmas, por aquelas bandas o operário
rio-grandino, o radialista pernambucano e o ex-presidente, paulista, para
alguns, mas nascido mesmo em Goiás. Aí, não duvido, o velho Ferraretto
agradecerá pelos momentos de alegria em companhia do filho proporcionados pelo
incessante “Varre, varre vassourinha” e, com igual certeza, dirá, dedo em riste
na direção do vasto bigode embranquecido pelo tempo:
– Mas, porra, não precisava ter renunciado de porre meses
depois...
Tudo sob o olhar sereno, sorriso algo zombeteiro, de um
D’Ávila a pensar:
– Coisas da vida. Ou de além dela... Das forças ocultas,
mesmo.
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