Ivete Brandalise e a mulher no rádio do Rio Grande do Sul
2006
Luiz Artur Ferraretto

Ivete Brandalise (1964)
Fonte: TV Sul, Porto Alegre, ano 1, n. 19, p. 17, 16-31 maio 1964.

O rádio, como toda produção humana, espelha o seu tempo. Até os anos 1960, com excessiva dose de conservadorismo e em uma idealização quase que bíblica, a mulher segue como rainha absoluta do lar, aquela que está ali para garantir a sagrada instituição da família. Nas emissoras de Porto Alegre, esta realidade começa a mudar quando o jornalista Flávio Alcaraz Gomes, no final da década, convida Ivete Brandalise para apresentar um comentário na Rádio Guaíba, de segunda a sexta-feira, na faixa de meio-dia. Ao contrário dos poucos espaços de opinião conquistados por mulheres ao microfone no Rio Grande do Sul, neste, ela vai analisar o cotidiano, enveredando por temas alheios ao que se considerava, de forma machista e preconceituosa, como universo feminino. De fato, mesmo que chegando em meio à ditadura militar, como uma brisa, os ventos do movimento feminista começavam a bafejar um pouco o rádio gaúcho.

Antes, os programas radiofônicos refletiam a posição totalmente subalterna das mulheres na sociedade. Um exemplo é o Quarto de Hora da Dona-de-casa, talvez o primeiro destes espaços no rádio do Rio Grande do Sul. Totalmente dedicado aos assuntos domésticos, como registra, na época, o Correio do Povo, integra a programação inicial da Difusora Porto-alegrense, em outubro de 1934. Na mesma emissora, vai ao ar, então, a Audição Feminina, alternando informações sobre moda e cuidados com a beleza da mulher. Esta visão decorativa do sexo feminino permanece, ainda mais idealizada, no papel exercido pelas chamadas mocinhas nas novelas, que se popularizam a partir dos anos 1940 e reinam sobre a programação radiofônica até os anos 1960. Ao microfone, com destaque de protagonista principal em açucaradas tramas, a mocinha soa doce, suave e ingênua, ao interpretar a sofredora, vítima de vilões, inocente ante as maldades do mundo. Com o tempo, aparece já mais insinuante, a sugerir possibilidades amorosas, em personagens agraciados pela sorte ou perseguidos por desventuras. Sua contraparte é a vilã, de voz cortante, por vezes sibilando ao indicar maldade na frase pronunciada entre os dentes ou na gargalhada soturna. Óbvio que, nos enredos maniqueístas, a mocinha tende a se dar bem, enquanto a vilã, que pode – ousadia suprema – usar até insinuações eróticas para desvirtuar mornos relacionamentos amorosos, é castigada à medida que se aproxima o capítulo final.

A presença de Ivete Brandalise ao microfone demonstra outra realidade: a da mulher que, sem abdicar de sua condição feminina, tem participação e opinião ativas na sociedade. Na época, ela já era conhecida do grande público por sua participação no telejornal da então TV Gaúcha, Show de Notícias, em meados dos anos 1960. Os Cinco Minutos com Ivete Brandalise, na Guaíba, vão, ao ritmo da ditadura militar, enfrentar os problemas impostos pelo Departamento de Censura Federal. Fugindo do que o regime espera, atentando contra a moralidade de caserna ou ousando em assuntos politicamente desconfortáveis para generais e coronéis, Ivete é várias vezes “convidada” a comparecer ao prédio da Polícia Federal. Seu espaço, também por isto, marca um momento de mudança.

Ao longo dos 18 anos em que permanece no ar, mulheres passam a ocupar, crescentemente, outras funções no jornalismo radiofônico. É o caso de comentaristas especializadas em economia, como Yeda Crusius, ou em política, como Ana Amélia Lemos. E, em especial, das repórteres que vão ganhando espaço, junto com a informação no rádio do Rio Grande do Sul. Quando Antônio Britto redefine o jornalismo da Guaíba, em meados da década de 1970, com o noticiário Linha Aberta, lá está Alda Souza na cobertura geral. Quase na mesma época, aparecem Nelcira Nascimento, Tânia Regina e Suê Duarte. Todas vão marcar sua trajetória com prêmios como o da Associação Rio-grandense de Imprensa, o principal do estado. Assim, quando a década de 1980 chega, quem comanda o programa Campo e Lavoura, na Gaúcha, é Otília Souza, logo nesta área em que, ainda hoje, uma das expressões genéricas segue sendo “homem do campo”, quase ignorando a mão de obra feminina nas lides rurais. Sinal de que muita coisa há ainda que ser feita em termos de igualdade de direitos.

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