As várias guerras de Flávio Alcaraz Gomes
2010
Luiz Artur Ferraretto
Flávio Alcaraz Gomes na cobertura da Guerra dos Seis Dias
(3 de junho de 1967)
O jornalista, à esquerda e de óculos, participa da
entrevista coletiva do ministro israelense da Defesa, Moshe Dayan, à direita.
Fonte: Acervo particular de Flávio Alcaraz Gomes.
O jornalista Flávio Alcaraz Gomes, principal repórter do
rádio do Rio Grande do Sul, guarda em sua casa no morro Santa Tereza uma
relíquia. É o uniforme do exército dos Estados Unidos com o seu nome bordado
sobre o bolso esquerdo e a manga da camisa, lembrança da Guerra do Vietnã, dos
tempos de enviado especial da Rádio Guaíba e do jornal Correio do Povo. Não foi, de certo, o único conflito que cobriu. É
pelo embate entre o sul capitalista e o norte comunista naquele recanto do
Oriente que se deve começar a contar as várias guerras de Flávio Alcaraz Gomes.
De fato, o Vietnã deveria ser a primeira delas, mas, como vai se ver, os
caminhos de um repórter são algo tortuosos e dependem muito do instinto e da
ousadia.
O Brasil vivia o terceiro ano do Regime Militar instaurado em
1964. Em uma coluna no Correio do Povo,
Flávio lembraria em 2003 aqueles tempos:
Em maio de 1967, saí de Porto Alegre para o Vietnã. A guerra estava no auge, com os americanos ali mantendo 500 mil homens em armas. Viajei a Roma, a fim de obter o visto para entrar no país. No aeroporto de Fiumicino, entretanto, as manchetes dos jornais fizeram com que eu decidisse mudar o rumo: Gamal Abdel Nasser, presidente do Egito, havia ordenado a retirada das forças da ONU, que, como algodão entre os cristais, encontravam-se em Gaza, evitando que árabes e judeus se atracassem. Entre os soldados, um contingente formado inteiramente por gaúchos: o 20º Batalhão Suez. Um dos seus oficiais era meu amigo de infância: o major Breno Vignoli. Voei para o Cairo e, já no dia seguinte, contatei com ele. Iniciava-se ali uma das minhas grandes aventuras.
Assim, de 22 de maio a 15 de junho de 1967, pela primeira vez
na história da imprensa e do rádio do Rio Grande do Sul, um jornalista gaúcho
movimenta-se com desenvoltura no cenário de um acontecimento que catalisa as
atenções em nível mundial, no caso a Guerra dos Seis Dias. Já antes do início
do conflito, Flávio Alcaraz Gomes participa das entrevistas coletivas
concedidas pelo presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, em 28 de maio, no
Cairo, e pelo ministro da Defesa de Israel, Moshe Dayan, no dia 3 de junho, em
Tel Aviv, conseguindo, inclusive, fazer perguntas em meio a profissionais de
todo o mundo. Fora isto, o enviado especial da Guaíba vai ao front, de onde transmite boletins em
estilo particularmente literário, acrescentando um toque pessoal ao que horas
antes presenciou e indo, assim, além do simples relato dos fatos:
– Estou voltando de meu primeiro contato epidérmico com a
guerra. Estou chegando de uma viagem de dia e meio ao front de combate de Noroeste. Podem, porém, passar muitos anos que
jamais hei de esquecer o que vi. Eu vi a guerra em toda a sua sujeira e imundície.
Eu vi a maneira bestial com que os homens se matam no campo de batalha. Eu vi.
Eu vi cadáveres mutilados dentro das trincheiras, nos campos, nas ruas....
Flávio Alcaraz Gomes na cobertura da Guerra do Vietnã (26
de junho de 1967)
O jornalista desembarca no porta-aviões Costellation,
nau capitânia da VII Frota dos Estados Unidos.
Fonte: Acervo particular de Flávio Alcaraz Gomes.
Do Oriente Médio, Flávio ruma, a convite do governo dos
Estados Unidos, em direção ao seu destino inicial, o Vietnã do Sul, cobrindo,
de 18 a
30 de junho, aquela que os anúncios publicados no Correio do Povo insinuam ser “a primeira batalha da terceira
conflagração mundial”. Deste modo, pelo lado sul-vietnamita e norte-americano,
o repórter sobrevoa a selva, acompanha patrulhas, desce o Song Long Than a
bordo de um patrol boat river e
visita o porta-aviões Costellation, o maior do mundo na época e nau capitânia
da VII Frota dos EUA, em ação no mar da China. Fora isto, participa de uma
entrevista coletiva com o general Nguyen Cao Ky Duyen, primeiro-ministro e
comandante em chefe das forças armadas do Vietnã do Sul. Para a Guaíba e uma
rede de emissoras formada pelas rádios Nacional, do Rio de Janeiro;
Bandeirantes, de São Paulo; Itatiaia, de Belo Horizonte; e Carve, de
Montevidéu, o jornalista traz diariamente informações, descrevendo o conflito,
em um de seus últimos boletins, como uma hopeless
war, “uma guerra sem esperança” para os Estados Unidos e seus aliados.
Anúncio da Rádio Guaíba (maio de 1968)
Fonte: Correio do Povo,
Porto Alegre, 8 maio 1968. p. 9.
No ano seguinte, Flávio Alcaraz Gomes desloca-se a Paris para
cobrir a conferência de paz entre os representantes dos Estados Unidos e do
Vietnã do Norte, quando irrompe a rebelião estudantil de maio de 1968. Gravador
ao ombro, em meio às bombas de gás lacrimogêneo lançadas pelas Compagnies
Républicaines de Sécurité – os destacamentos da polícia nacional francesa – e
as pedras arremessadas pelos énrages
revoltosos, o enviado da Rádio Guaíba e da Companhia Jornalística Caldas Júnior
movimenta-se, registrando as violentas manifestações que atingem a capital
francesa.
Flávio Alcaraz Gomes na cobertura da Guerra do Yom Kipur
(outubro de 1973)
O jornalista acompanha o avanço de blindados
israelenses nas colinas de Golan, território da Síria ocupado por Israel
durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967.
Fonte: Acervo particular de Flávio Alcaraz Gomes.
Da série de coberturas internacionais realizadas por Flávio
Alcaraz Gomes pela Rádio Guaíba, é preciso destacar ainda a da Guerra do Yom
Kipur, em 1973, quando, novamente, o jornalista desloca-se ao Oriente Médio
para descrever mais um conflito entre árabes e israelenses. Dela, resta uma
gravação palpitante. Percorrendo o norte de Israel próximo à fronteira com a
Síria, Flávio vai conversando com outros correspondentes de guerra em meio aos
sons dos deslocamentos de tropas e veículos da guerra mecanizada. Em um abrigo,
eles se protegem das bombas lançadas pela aviação árabe e a voz do repórter
sobrepõe-se à dos demais e aos ruídos da forte artilharia:
– Bombardeio da aviação, é aqui. Estão nos bombardeando aqui
perto. São duas horas da tarde e nós estamos dentro de um abrigo antiaéreo sob
bombardeio... Estão bombardeando aqui em cima de nós. Vamos sair separados,
porque se morrer um o outro conta a história. Vamos separados porque, se morrer
um, sobram os outros...
Flávio Alcaraz Gomes e as coberturas de guerras.
Fonte: FERRARETTO, Luiz Artur.
Itinerários de um repórter. In: GOMES, Flávio Alcaraz. Eu Vi!. Porto Alegre.
Publicato, 2006. DVD.
Flávio safou-se desta e de outras. E segue contando
histórias, dando testemunhos das guerras do dia a dia.
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