1966: Flávio Alcaraz Gomes e o off
tube na Copa da Inglaterra
2006
Luiz Artur Ferraretto
O narrador Jorge Alberto Mendes Ribeiro, há quase quatro anos
na Rádio Gaúcha, esganiça-se ao microfone no Estádio de Wembley, neste dia 11
de julho de 1966, onde, em poucos instantes, vai começar a Copa do Mundo da
Inglaterra:
– A Gaúcha é a única! É a única emissora do Rio Grande do Sul
a transmitir aqui do estádio!
De Porto Alegre, o pessoal de retaguarda não entende o que
está acontecendo. Na concorrente, Antônio Carlos Rezende relata, com precisão,
o que ocorre em um dos maiores templos do futebol mundial. Descreve, inclusive,
a cor do gramado e das roupas de Sua Majestade, a rainha Elizabeth II. “God save the queen” à parte, o
repórter da Guaíba, Adroaldo Streck, com um acesso que ninguém tem, está nos
vestiários e entrevista os jogadores do Uruguai, tirando deles impressões e
expectativas sobre o iminente confronto com a Seleção Inglesa. No posto da
Gaúcha, Mendes olha para um lado, olha para o outro, não vê nenhum profissional
da emissora ligada ao jornal Correio do
Povo e volta a insistir:
– A Gaúcha é a única! É a única emissora do Rio Grande do
Sul...
A presença da Guaíba no estádio é mesmo um blefe, uma
articulação esperta do diretor comercial da emissora, Flávio Alcaraz Gomes,
graças às novas tecnologias postas à disposição dos jornalistas, no caso um
monitor de TV estrategicamente instalado nos estúdios da British Broadcasting
Corporation. Claro que ganha muita credibilidade com outra esperteza, a de
Streck, que, na véspera, contando com a boa vontade dos jogadores uruguaios,
preparara gravações cuidadosamente colocadas no ar momentos antes da partida.
Qual a história, então, por trás da primeira transmissão off tube, isto é, via tubo de raios
catódicos?
Em 1962 no Chile, Gaúcha e Guaíba já haviam acompanhado o bicampeonato da Seleção Brasileira, antecipando a dura disputa entre as duas na Copa do Mundo seguinte, a da Inglaterra. A concorrência entre as emissoras de Porto Alegre acirra-se tanto que a rádio dirigida por Maurício Sirotsky Sobrinho empenha-se ao ponto de ir para a Europa com Mendes Ribeiro na narração, Homero Carlos Simon na direção técnica e a Ipiranga S.A. Companhia Brasileira de Petróleos como anunciante exclusivo. Sabendo que possui três elementos fundamentais da cobertura realizada pela Guaíba, em 1958, na Suécia e, quatro anos depois, no Chile, Sirotsky apela para a memória dos ouvintes, com certa dose de ironia e sutileza, publicando no jornal Zero Hora anúncios com a chamada em destaque: “O mesmo locutor, o mesmo técnico e o mesmo patrocinador”. Nos bastidores do contrato publicitário da Ipiranga, uma coincidência facilita a negociação: Antonio Mafuz, um dos sócios da MPM Propaganda, agência detentora da conta da companhia petrolífera, mantém excelentes relações com a Rede Excelsior, então proprietária da Rádio e TV Gaúcha, empresa da qual o publicitário havia sido também diretor. A questão do anunciante coloca em risco a cobertura da Guaíba, uma vez que, no Rio Grande do Sul, não existe, na época, outra empresa com cacife econômico para bancar os custos das irradiações das ilhas britânicas para o Brasil. A única saída para Flávio Alcaraz Gomes, o diretor comercial da rádio ligada ao jornal Correio do Povo, é recorrer ao mercado publicitário de São Paulo:
Em 1962 no Chile, Gaúcha e Guaíba já haviam acompanhado o bicampeonato da Seleção Brasileira, antecipando a dura disputa entre as duas na Copa do Mundo seguinte, a da Inglaterra. A concorrência entre as emissoras de Porto Alegre acirra-se tanto que a rádio dirigida por Maurício Sirotsky Sobrinho empenha-se ao ponto de ir para a Europa com Mendes Ribeiro na narração, Homero Carlos Simon na direção técnica e a Ipiranga S.A. Companhia Brasileira de Petróleos como anunciante exclusivo. Sabendo que possui três elementos fundamentais da cobertura realizada pela Guaíba, em 1958, na Suécia e, quatro anos depois, no Chile, Sirotsky apela para a memória dos ouvintes, com certa dose de ironia e sutileza, publicando no jornal Zero Hora anúncios com a chamada em destaque: “O mesmo locutor, o mesmo técnico e o mesmo patrocinador”. Nos bastidores do contrato publicitário da Ipiranga, uma coincidência facilita a negociação: Antonio Mafuz, um dos sócios da MPM Propaganda, agência detentora da conta da companhia petrolífera, mantém excelentes relações com a Rede Excelsior, então proprietária da Rádio e TV Gaúcha, empresa da qual o publicitário havia sido também diretor. A questão do anunciante coloca em risco a cobertura da Guaíba, uma vez que, no Rio Grande do Sul, não existe, na época, outra empresa com cacife econômico para bancar os custos das irradiações das ilhas britânicas para o Brasil. A única saída para Flávio Alcaraz Gomes, o diretor comercial da rádio ligada ao jornal Correio do Povo, é recorrer ao mercado publicitário de São Paulo:
– Ali, durante um mês inteiro, visitei os principais clientes
e agências de publicidade, até que obtive uma vitória espetacular: o patrocínio
da Philips e de seu barbeador Philishave. E melhor: com preço superior ao que
havia sido proposto à Ipiranga.
Representando a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão, o próprio Flávio conseguira, tempos antes, a promessa por parte da
British Broadcasting Corporation de que 12 posições seriam colocadas nos
estádios para as estações do país. A Abert, por sua vez, decide que as vagas devem
ser preenchidas obedecendo a ordem de antiguidade na contratação dos serviços
de radiotelefonia com o exterior oferecidos pela Radional e Radiobrás, as duas
multinacionais que, à época, prestavam este tipo de apoio. Por este critério, a
Guaíba coloca-se em 11º e a Gaúcha, em 12º. Um pouco antes da Copa, no entanto,
a BBC informa que apenas 10 emissoras brasileiras vão poder transmitir.
Maurício Sirotsky Sobrinho fecha, então, um acordo com a Itatiaia, de Belo
Horizonte, ingressando assim na lista das habilitadas à irradiação. Além disto,
para aumentar a sua penetração em Porto Alegre, distribui em torno de 200
receptores transistorizados a bares, restaurantes e pontos de aglomeração no
centro da cidade, todos os aparelhos especialmente preparados para sintonia
exclusiva na Gaúcha. Um amplificador de relativa potência garante que o som
atinja, com qualidade razoável, o público reunido nestes locais. Em
contrapartida, a Guaíba procura explorar o bairrismo rio-grandense, como
explica Flávio Alcaraz Gomes em seu livro Diário
de um Repórter:
– A Gaúcha apregoava as vantagens de sua aliança com uma
emissora de Minas Gerais e gabolava-se de que seria a única a estar presente no
jogo inaugural, junto com a equipe da Itatiaia. “Ah, é, misturados com os
mineiros?” – pensei. E, tendo em mente a discriminação que sempre existiu
veladamente no Rio Grande do Sul em relação aos baianos (como são denominados
pelos gaúchos todos os que vivem de Santa Catarina para cima), criei um slogan imbatível: “Guaíba: som local e
equipe local”. Entrementes, o nosso novo transmissor de 50 kW (a Gaúcha operava
com 10 kW) tinha ficado pronto. Foi assim que publicamos em nossos três jornais
um anúncio de página: “Som local e equipe local. A Guaíba vai transmitir a Copa
do Mundo com seu novo transmissor de 50 kW”.
No entanto, sem presença garantida nos estádios, à Guaíba
resta utilizar um recurso que, com o tempo, vai se tornar habitual, como forma
de reduzir os custos das irradiações. A emissora recorre, com o apoio da BBC, à
transmissão off tube, ou seja, os
profissionais de rádio postam-se em frente a monitores de TV, neste caso
providenciados pela estatal britânica, e narram, assim, a partida. À reduzida
equipe da Gaúcha, formada por Mendes Ribeiro na função de locutor esportivo e
Maurício Sirostky Sobrinho improvisado na análise dos jogos, a emissora da
Caldas Júnior responde levando os narradores Antônio Carlos Resende e Pedro
Carneiro Pereira, o comentarista Ruy Carlos Ostermann e o repórter Adroaldo
Streck, todos sob a coordenação de Flávio Alcaraz Gomes. Segundo ele, com um
grupo numeroso, a Guaíba surpreende os ouvintes na segunda rodada da Copa.
– Dois dias depois, no estúdio 3A da BBC, quatro tubos são
colocados à nossa disposição. E a equipe local, sempre com som local e sempre diretamente
da Inglaterra, transmite simultaneamente, numa façanha inédita na cobertura
esportiva da Copa, os jogos Itália 2 x 1 Chile, Portugal 3 x l Hungria,
Argentina 2 x 1 Espanha e México 1 x 1 França.
Flávio Alcaraz Gomes e o off tube na Copa de 1966
Fonte: FERRARETTO, Luiz Artur.
Itinerários de um repórter. In: GOMES, Flávio Alcaraz. Eu Vi!. Porto Alegre.
Publicato, 2006. DVD.
A utilização do off
tube dissemina-se já durante a própria Copa do Mundo de 1966, após a eliminação
do Brasil na primeira fase, ao ser derrotado pela seleção de Portugal por 3 a 1. Mesmo a equipe conjunta
da Gaúcha e da Itatiaia, além de diversas rádios do Rio de Janeiro e de São
Paulo, adere ao sistema. Apesar da campanha desastrada do selecionado nacional
e das dificuldades que enfrenta, a Guaíba consegue superar a sua concorrente
direta, como admitiria o próprio Mendes Ribeiro anos depois. De quebra, fica,
ainda, com o pioneirismo no uso do off
tube. Para os ouvintes da época, também será marcante o quase discurso de
Pedro Carneiro Pereira no momento da desclassificação do Brasil.
Pedro Carneiro Pereira e a desclassificação do Brasil na
Copa de 1966
Fonte: Pedrinho morreu
na primavera. Canoas: Universidade Luterana do Brasil, 2004. DVD.
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