Grandes atrações na disputa pela audiência
2013
Luiz Artur Ferraretto
Na “época de ouro do rádio”, como vão dizer os saudosistas no
futuro, a algo provinciana Porto Alegre dos anos 1950 passa, todos os dias,
pela nevrálgica Rua da Praia, oficialmente dos Andradas e que à força dos
aterros junto ao Guaíba já perdeu há tempos a origem de sua denominação mais
popular. Das margens do rio, que ninguém cogita muito ser um lago, a cidade já
se espalha em várias direções.
É esta cidade que o repórter Lineu Martins, em uma edição da
segunda quinzena de 1955 da Revista do
Globo, vai descrever com certa ironia, com certo bom humor:
Andam mais perto da verdade os que dizem que Porto Alegre tem 400 mil habitantes. Além disso, o IBGE diz que 2.465 profissionais liberais fazem a vida nesta cidade e que existem 24.558 operários e 10.338 comerciários. A prefeitura abriga 3.647 servidores e trabalha em 1.545 ruas e logradouros públicos, enquanto 14.000 veículos a motor atrapalham o tráfego, 89 bibliotecas dão de ler a espíritos sedentos de cultura e 137 igrejas fazem missa todos os domingos. Ao mesmo tempo, 35 cinemas entretêm uma população sem diversões e a gente fica pensando onde estarão os seis teatros que constam da lista. Mas, para as crianças analfabetas, ensina-se algo nas 333 escolas primárias, enquanto as semianalfabetas dispõem de 36 escolas secundárias. Outras, em menor número, colocam um D-R antes do nome. E 31 clubes de futebol desviam as vocações masculinas, enquanto que apenas três estações de rádio bastam para fazer o mesmo com as mulheres, quando do processo novelesco. Quatorze jornais fazem as novas e 31 revistas anunciam 3.473 casas de comércio. Para os visitantes disfarçados de turistas, há 47 hotéis de maior ou menor categoria, podendo-se dizer o mesmo das 10 boates e mais alguma coisa. Pela mesma fonte, fica-se sabendo que a União aqui arrecada mais de 900 milhões, mas que o município se contenta com uma sobra de 200 milhões e pouco e que 15 bancos guardam economias. Consta ainda que acontecem vários crimes e atropelamentos durante o ano. Muita gente também vai parar na cadeia ou no cemitério.
Nas rodas de conversa da Rua da Praia, vez por outra, vêm à
baila os programas das pêerres locais e há quem, sanduíche na mão para enganar
a fome, enforque o almoço no auditório da Farroupilha na Sete de Setembro,
acompanhando as peripécias cômicas dos personagens do Drama do Futebol ou da Banca
de Sapateiro, atrações a compor, junto com comentários e apresentações
musicais, o Rádio Sequência.
Nas residências – casas e já numerosos apartamentos –, ocupam
lugar central nas salas de estar receptores radiofônicos, de tamanho médio ou
grande, todos valvulados e em suas caixas de madeira ou de baquelita. Alguns,
mais sofisticados, aparecem conjugados a eletrolas, formando sólidas peças do
mobiliário urbano. Outros trazem no dial as identificações das grandes
emissoras do país, na época de fácil captação fora de suas regiões de origem.
São aparelhos robustos de indústrias com sede nos Estados Unidos ou em países
da Europa – General Electric, Philco, Phillips, RCA Victor, Siemens,
Telefunken, Westinghouse, Zenith... –, mas muitos já vêm com a marca Semp,
sigla de sonoridade estrangeira para os equipamentos da nacional Sociedade
Eletro Mercantil Paulista. Através deles, o espetáculo radiofônico chega a
milhares de pessoas, oferecendo entretenimento e mobilizando a audiência em
torno de intérpretes, instrumentistas, grupos vocais, humoristas, atores,
atrizes, animadores.
Constituindo-se em uma das principais fontes de
entretenimento, o espetáculo radiofônico seduz a imaginação do ouvinte e vai
construindo ídolos. Comuns desde meados dos anos 1930, apresentações de grandes
astros e estrelas da música brasileira, promovidas por emissoras locais,
atraem, até o início da década, a atenção de parcela significativa de ouvintes.
É o que acontece, por exemplo, quando Francisco Alves, o Rei da Voz,
apresenta-se, em janeiro de 1950, lançando Marcha
dos Brotinhos e Chimango, duas
marchinhas para o carnaval daquele ano. A cada audição organizada e
transmitida, então, pela PRH-2 – Rádio Farroupilha, “a mais poderosa”, Chico
Viola enfrenta o assédio dos fãs.
Francisco Alves na Rádio Farroupilha (janeiro de 1950)
Fonte: Revista do Globo, Porto Alegre, ano 22, n. 501,
p. 24, 4 fev. 1950.
É o caso também da apresentação promovida pela PRC-2 – Rádio
Gaúcha, “a pioneira”, em novembro de 1950, comemorando a inauguração de suas
novas instalações no Edifício União. No auditório Araújo Viana, em plena Praça
da Matriz, Edu da Gaita, Emilinha Borba, Marlene, Quatro Ases e um Coringa,
Orlando Silva e Silvino Neto apresentam-se para um público estimado na época em
50 mil pessoas.
Emilinha Borba na Rádio Gaúcha (novembro de 1950)
Fonte: Revista do Globo,
Porto Alegre, ano 23, n. 533, p. 80, 28 abr. 1951.
Espetáculos semelhantes ganham os palcos de emissoras, cinemas
e teatros também das grandes cidades do interior do Rio Grande do Sul. Alguns
exemplos podem ser citados. Pelo auditório e pelos estúdios da Rádio Caxias,
passam, entre outros, artistas como Emilinha Borba, Ivon Curi, Linda Batista,
Leni Eversong, Marlene e Nelson Gonçalves, todos patrocinados pelo crescimento
econômico da Serra. No Planalto Médio, outra das Emissoras Reunidas, a Passo
Fundo, faz o mesmo, trazendo, além de alguns destes, Cauby Peixoto, Alvarenga e
Ranchinho... No auditório da Rádio Pelotense, na Zona Sul, cantam Ângela Maria,
Carlos Galhardo e Francisco Alves. Já a Cultura Rio-grandina contrata, em 1956,
Nora Ney para apresentações na praça Tamandaré e na boate Veterana, em Rio Grande. Nos
estúdios da emissora, a cantora deixa gravado um acetato com a marchinha
carnavalesca Brotinho, composta por
um músico local, o saxofonista Oscar Geraldo, da orquestra do maestro Luiz
Nelson Piragine.
Em Porto Alegre, ao longo da década, este tipo de audição
isolada transfere-se para os programas de auditório, de grande impacto junto ao
público, em especial após o sucesso de Tômbola Musical, na Farroupilha, em
1955. Humoristas como Pinguinho e Walter Broda, na PRH-2, e Carlos Nobre, na
PRC-2, também fazem a alegria dos ouvintes. O público feminino, por sua vez,
deixa-se levar, capítulo após capítulo, pelas novelas de conteúdo
predominantemente romântico apresentadas em diversos horários e em todos os
turnos da programação. O espetáculo radiofônico, de cunho mais popular, da
Farroupilha e da Gaúcha ganha, no entanto, em 1957, uma contraparte voltada à
elite no trabalho do Conjunto de Radioteatro e do Departamento de Produção de
Programas da Rádio Guaíba. Também no interior, respeitadas as possibilidades de
cada região, as emissoras dão oportunidade a talentos locais, muitos deles logo
aproveitados nas estações da capital, como os animadores e atores Ary Rêgo e
Salimen Júnior, ambos com passagens pela Cultura e pela Pelotense, de Pelotas,
ou a cantora e rainha do rádio de 1957, Maria Helena Andrade, surgida na
Minuano, de Rio Grande.
Cabe lembrar, ainda, o papel desempenhado pelos músicos –
instrumentistas e cantores –, contratados fixos em rádios de porte como a
Farroupilha e a Gaúcha e responsáveis pela execução, ao vivo, de trilhas e
números, em arranjos muitas vezes desenvolvidos pelos próprios maestros das
emissoras. Na PRH-2, por exemplo, o diretor musical Salvador Campanella, com
base na programação mensal da estação dos Associados, define a forma de
execução das canções, estabelecendo, ainda, a rotina de apresentações da Grande
Orquestra Farroupilha e dos demais conjuntos musicais da rádio.
Quando, na virada para a década de 1960, os receptores de
rádio ganham portabilidade transistorizada e começam a perder para o televisor
o seu lugar na sala dos gaúchos, há uma sensação tênue de que, também, devem se
alterar os rumos da programação. Abrem-se espaços, então, para o esporte e, com
menor intensidade, para o noticiário. O exemplo mais marcante disto é o que
ocorre na Rádio Gaúcha após Maurício Sobrinho assumir a direção da emissora.
Enquanto João Aveline cuida de aprimorar o Departamento de Notícias, colocando
jornalistas na apuração e redação das informações, Ary dos Santos monta uma
equipe esportiva em condições de competir no mercado de Porto Alegre. A
valorização das transmissões de jogos de futebol pode ser atestada pelo folheto
que a PRC-2 faz publicar em 1962 encartado na Revista do Globo. Quase a indicar novos tempos, os artistas do
espetáculo radiofônico, mesmo que mantendo um maior destaque, já dividem o
espaço com narradores, repórteres e comentaristas.
Folheto publicitário da Rádio Gaúcha (1962)
Fonte: Revista
do Globo, Porto Alegre, ano 36, n. 821, 26 maio 1962. Encarte.
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