Carlos Nobre, o maior humorista do rádio do Rio Grande do Sul
2005
Luiz Artur Ferraretto
A partir de um pequeno quadro, que explora o futebol, escrito
por Luiz Gualdi para a Rádio Gaúcha, em 1953, um intérprete de músicas
românticas em início de carreira vai acabar se transformando no mais importante
humorista do Rio Grande do Sul. Sobrevive, inclusive, ao fim do espetáculo
radiofônico, com seu trabalho aparecendo também na forma de apresentações
teatrais, programas de TV, colunas de jornal e livros.
Um pouco antes de enveredar pelo humor e fugindo às proibições
maternas, José Evaristo Villalobos Júnior adota o pseudônimo Carlos Nobre, o
mesmo escolhido por Nomar Nobre Chatelain, então intérprete conhecido no Rio de
Janeiro, onde, com frequência, apresenta-se no rádio, em especial no Programa Paulo Gracindo, da Nacional. Há
duas décadas, quando o humorista morre, na tarde de 16 de dezembro de 1985, sua
popularidade é tanta que a notícia ganha amplos espaços nos meios de
comunicação. De fato, no Sul do país, há muito Carlos Nobre identificava apenas
aquele gaúcho natural da cidade de Guaíba, que escrevia na penúltima página do
jornal Zero Hora, participava em
quadros humorísticos na Rádio Gaúcha e aparecia no Jornal do Almoço, da RBS TV.
No início de carreira, dentro do Jogo Bruto, o programa escrito por Gualdi, explorando trejeitos de
voz, faz as vezes do torcedor, conforme os estereótipos atribuídos a cada
clube. Na mesma linha, inspirado no programa Miss Campeonato da Rádio Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro, Carlos
Nobre vai criar, na Gaúcha, uma atração para as noites de terça-feira a partir
dos jogos disputados pelos principais times do Rio Grande do Sul no final de
semana anterior. Trata-se do Campeonato
em Três Tempos, que surge em 1958, tornando-se, rapidamente, uma das
principais atrações da PRC-2.
Anúncio do Campeonato em Três Tempos (1961)
Fonte: Acervo particular de José Fontes.
Simulando um flerte constante e recorrendo a bordões de
fácil assimilação popular, as caricaturas radiofônicas desenvolvidas por Carlos
Nobre para cada um dos clubes disputam, ao longo de todo o certame, as atenções
da Miss Copa, interpretada por Leonor de Souza e personagem central do Campeonato, acompanhada de um grande
elenco. Há o Greminho, papel que o autor escolhe para si, e o Colorado, de Fábio
Silveira, os dois mais fortes pretendentes a conseguir chegar ao casamento, na
sátira acompanhando a realidade futebolística. Apenas o Zequinha, na voz de
Eleu Salvador, e, depois, de José Fontes, por sua origem bendita, do Esporte
Clube São José, procura resistir às investidas da Miss Copa, repetindo:
“Afasta-te, pecadora”. Na composição dos tipos, o produtor e o elenco exploram
características estereotipadas de cada clube ou da sua cidade de origem: Walter
Ferreira vive o gringo do Flamengo, de Caxias do Sul; Ismael Fabião, o algo
afetado Doutor Pelotas, representante do Esporte Clube Pelotas; Pepê Hornes faz
o cheio de referências militares – “Um-dois, um-dois, um-dois! Companhia alto!
Sentido! Descansar” – representante do Grêmio Atlético Farroupilha, também de
Pelotas; Gerson Luiz é o índio Botocudão, do Clube Esportivo Aimoré, de São
Leopoldo; e Dimas Costa, o gauchão grosso do Guarany Futebol Clube, de Bagé. Alguns
atores saem e outros vão substituí-los.
Na época, as sátiras nem sempre são bem compreendidas. O
Doutor Pelotas, por exemplo, gera protestos de lideranças políticas e até
religiosas do município da Zona Sul do estado. Carlos Nobre transforma, então,
as críticas em mais um diálogo jocoso entre os personagens de Leonor de Souza e
Ismael Fabião:
– O pessoal interpretou de uma maneira errônea, errada. Mas
então eu, para maneirar a coisa, resolvi fazer o tipo másculo do Doutor Pelotas
num certo Campeonato em Três Tempos.
Ele foi com a Leonor, contracenando sempre, e a Leonor: “Mas, Doutor Pelotas, o
que é isso?”. “Não tem conversa, não! Não tem conversa! Agora vai ser assim”. E
o diálogo foi se processando. No fim, houve uma pausa. E a Leonor respirou:
“Como é, Doutor Pelotas, mas o que houve?” E ele olhou e falou assim: “Ah,
cansei!”.
Fábio Silveira, o Colorado, e Carlos Nobre, o Greminho (anos
1950)
Fonte: Zero Hora, Porto Alegre, 17 dez. 1985. Segundo
Caderno Especial, p. 4.
A própria estrutura de divulgação e promoção do humorístico
segue também o desenrolar do Campeonato Estadual de Futebol. Há farta
publicidade no início do certame e, no término, o casamento do vencedor com a
Miss Copa motiva a realização de um programa especial, geralmente apresentado
em algum cinema da cidade.
Assim, em dezembro de 1961, para comemorar o título que
acaba com uma hegemonia de cinco anos do Grêmio no futebol gaúcho, ao Cinema
Castelo, além do elenco do Campeonato em
Três Tempos, comparecem torcidas organizadas, jogadores e o presidente do
Sport Club Internacional.
Leonor de Souza e Carlos Nobre revivem o Campeonato em Três Tempos
(1977)
Entrevista realizada por José Antônio Daudt para o programa Opinião Pública, da Rádio Difusora
Porto-alegrense, transmitido em 26 de setembro de 1977.
Fonte: Acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa.
Hoje, em tempos de humor forçado e de improviso, muito
frequente no rádio em frequência modulada, a ausência de Carlos Nobre e de seus
personagens parece justificar um epitáfio criado por ele, nos anos 1970, em tom
de sátira, para o túmulo dos humoristas: “Aqui jaz uma gargalhada cercada de
choro por todos os lados”.
Carlos Nobre acompanhado por Léo Veloso e Raul Lima (1952)
Fonte: Acervo particular da família Villalobos.
Carlos Nobre (1972)
Fonte: RÁDIO GUAÍBA. 2001. Porto Alegre, 25 out. 1972. Programa de rádio.
Carlos Nobre, o poeta do riso (2006)
Apresentação: Mário Pirata
Imagens: Daniel Fernandes
Edição/pós-produção: Daniel Fernandes
Programação visual: Marcos Riffel
Sonoplastia: João Blattner e Otto Bede
Direção: Amanda Montagna, Candice Feio e
Thaís Araújo
Produção: Amanda Montagna, Candice Feio e
Thaís Araújo
Professor responsável: Marco Antônio
Villalobos
Fonte:
Acervo particular de Marco Antônio Villalobos.
Tenho uma honrosa alegria de ter participado desse documentário, convidado pelo Marco, meu colega de escola, filho do Nobre, e diretor deste filme. Foi uma tarde de gravação, baixou o cara e falei o texto de primeira (ou melhor, li), com uma equipe muito bacana. O RS precisa criar o hábito de guardar sua memória cultural e social com mais carinho, com muito mais carinho.
ResponderExcluirQuem viu riu! Eu vi.
ResponderExcluirEu gostava do time do Rio Grande, lá pelo início da década de 70, transmitido da Churrascaria Boi na Brasa, qdo ele entrava dizendo: não ganhemo no jogo mas ganhemo no pau.��
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