Ídolos do rádio e da música ganham o interior gaúcho
2006
Luiz Artur Ferraretto

Por um bocado de tempo, a cena vai ser lembrada e relembrada em Bagé, a 393 km de Porto Alegre. Estamos nos anos 1950 e, à saída da Rádio Difusora, os músicos do Trio Los Panchos, de sucesso internacional, recusam o carro colocado pela emissora à sua disposição e saem, instrumentos em punho, cantando e tocando até o hotel.

Vão a cada passo surpreendendo as pessoas. São boleros doídos de incontáveis noites latinas. Choram saudades, por exemplo, em La historia de un amor, de Carlos Almarán:

Ya no estas más a mi lado corazón
En el alma solo tengo soledad
Y si ya no puedo verte
Porque Diós mi hizo quererte
¿Para hacerme sufrir más?
Siempre fuiste la razón de mi existir
Adorarte para mi fué religion
En tus besos yo encontraba
El calor que me brindaba
El amor y la pasión
Es la historia de un amor
Como no habrá otro igual,
Que me hizo comprender
Todo el bien todo el mal
Que le dió luz a mi vida
Apagandola después
Ai que vida tan oscura
Sin tu amor no viveré

La historia de um amor, de Carlos Almarán, com o Trio Los Panchos

Variando ritmos e entonações, a versatilidade destes mexicanos e porto-riquenhos gera encantamento. Do bolero, vão à cumbia, ao tango, à ranchera, ao corrido… E se improvisando mariachis, transformam Bagé em terras mexicanas:

¡Ay, Jalisco, Jalisco, Jalisco!
tú tienes tu novia que es Guadalajara,
muchacha bonita, la perla más rara
de todo Jalisco es mi Guadalajara.

¡Ay Jalisco, no te rajes!, de Manuel Esperón e Ernesto Cortázar, com o Trio Los Panchos

O que os bageenses vivem então apenas exemplifica o poder do rádio. Numa época em que o transporte e as comunicações são, ainda, uma dificuldade, artistas de considerável grau de importância na cena musical apresentam-se não só na capital, mas também no interior do Rio Grande do Sul. Ganham os palcos das rádios, dos cinemas, dos teatros e, na ausência de alternativa melhor, dos clubes e associações recreativas.

Pelo auditório e pelos estúdios da Rádio Caxias, na Serra Gaúcha, passam, entre outros, Emilinha Borba, Ivon Curi, Linda Batista, Leni Eversong, Marlene e Nelson Gonçalves, todos patrocinados pelo crescimento econômico da região. No Planalto Médio, outra das Emissoras Reunidas – na época, o maior grupo de comunicação do interior –, a Passo Fundo, faz o mesmo, trazendo, além de alguns destes, Cauby Peixoto, Alvarenga e Ranchinho… No auditório da Rádio Pelotense, na Zona Sul, cantam Ângela Maria, Carlos Galhardo, Dóris Monteiro e Francisco Alves. Já a Cultura Rio-grandina contrata, em 1956, Nora Ney para apresentações na praça Tamandaré e na boate Veterana, em Rio Grande. Na mais antiga cidade do estado, no entanto, a passagem da cantora, como recorda Célio Soares do jornal local Bom Dia, não fica registrada apenas na memória dos que assistiram a suas apresentações. Nos estúdios da emissora, Nora Ney deixa gravado um acetato com a marchinha carnavalesca Brotinho, composta por um músico local, o saxofonista Oscar Geraldo, da orquestra do maestro Luiz Nelson Piragine.

Repete-se, assim, na virada da década de 1950 para a de 1960, o deslumbramento vivido pelos ouvintes de Porto Alegre nos anos 1930, quando da passagem de Carmen Miranda e Mário Reis pela capital para inaugurar a Farroupilha. Naquela noite fria de inverno, 24 de julho de 1935, a compacta multidão acompanhou a apresentação dos dois pelos alto-falantes colocados em frente ao prédio da rádio, na Duque de Caxias, altos do viaduto Otávio Rocha, no centro da capital. Multidão que, descendo em direção ao centro, com vivas e hurras, seguiria seus ídolos até o Grande Hotel, em um final de noite sem cantorias, mas de uma veneração quase religiosa. Aliás, como fariam, décadas depois, graças a emissoras locais de rádio, as pessoas em Bagé, Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas, Rio Grande…

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