A Ordem dos Capuchinhos e a Rádio Difusora
2013
Luiz Artur Ferraretto

Eis aqui, confrade, onde em especialíssimo modo devemos estar todos unidos e prestar a colaboração indispensável para esta obra rainha. Apelo para sua compreensão para que, quanto antes, organize festas, recolha esmolas, realize coletas, faça rifas, consiga empréstimos... tudo para a Rádio Difusora. Tenha a bondade de remeter o resultado ao provincial [responsável pelos capuchinhos no Rio Grande do Sul], em Caxias do Sul, ou para o frei Irineu Costella, em Veranópolis. Ótima oportunidade para mostrar o verdadeiro espírito familiar: auxiliar a Província é dever de bom filho, pois ela é nossa mãe. Espero que nenhum pároco fique fora da lista dos benfeitores da Difusora. O ministro geral, frei Clemente de Milwaukee [principal líder da Ordem dos Capuchinhos], abençoou a Difusora e a todos os seus benfeitores.

Distribuídas em um folheto, acompanhando a veneração dos crentes a São Lourenço de Brindes, o santo do dia, as palavras do provincial dos capuchinhos, frei Celestino Dotti, comunicam, naquele dia 23 de julho de 1958, que a Igreja Católica do Rio Grande do Sul passa a contar “com um meio poderoso para inculcar e defender a doutrina revelada”, a PRF-9 – Rádio Difusora Porto-alegrense. Na época, os religiosos desta ordem já operavam estações em algumas cidades do interior do estado, além de publicarem, em Caxias do Sul, o jornal Correio Rio-grandense, então com 50 mil assinantes.

à Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, interessa, então, adquirir uma emissora em Porto Alegre para a montagem de uma rede de rádio, como explica frei Osébio Borghetti, mais tarde diretor administrativo da Rádio e TV Difusora:

Os capuchinhos tinham no interior algumas emissoras de rádio. Precisavam de um ponto forte na capital gaúcha. Era a forma de ter uma emissora mais potente que pudesse coordenar uma rede de rádio. Na época se desconheciam outros meios para interligar emissoras, a não ser a potência. E a Difusora poderia aumentar a potência. Com 50 kW seria possível fornecer um sinal razoável para formar cadeia (era a palavra da época). Por isso, e com muito sacrifício, foi adquirida a Rádio Difusora Porto-alegrense dos Diários e Emissoras Associados.

Para os Diários e Emissoras Associados, por sua vez, a venda da Difusora cumpria um duplo papel. A rádio, na realidade, sempre ficara em um segundo plano em relação à Farroupilha. Ao longo da década, embora não registrasse prejuízos significativos, também deixava de gerar lucros. A emissora estava então bem equipada. Pouco antes da negociação, seus transmissores haviam sido transferidos do morro Santa Teresa para uma área no bairro Mathias Velho, em Canoas, instalando ali equipamentos recém-adquiridos que garantem um som de boa qualidade com 10 kW de potência. Os estúdios também novos funcionavam no quarto andar do Edifício Comendador Azevedo, na rua Uruguai, no centro de Porto Alegre.

A negociação com os capuchinhos é fechada no dia 31 de maio de 1958, assumindo a direção o frei Manoel Sebben Ramos. Depois de um período inicial de hesitação, a emissora começa a operar com o slogan “PRF-9 – Rádio Difusora Porto-alegrense – Esporte, música e notícia”. Sucedem-se na sua administração os religiosos Casimiro Zaffonato, Antônio Guizzardi, José Pagno, Jaime Biazus, Cyrillo Mattiello e Pedro Miszewski. Ao longo do tempo, frei Mattiello constitui-se no principal incentivador da estruturação de uma rede de estações de rádio ligada à ordem. Engenheiro eletrônico com formação nos Estados Unidos, cabe a ele elaborar os projetos que envolvem a outorga, tanto na parte técnica, quanto na legal. Deste modo, os capuchinhos vão obter, em 1961, uma concessão para instalar uma TV na capital do Rio Grande do Sul, o que ocorre no dia 10 de outubro de 1969.

A orientação adotada pela Rádio Difusora não é de cunho, exclusivamente, evangelizador. Mesmo assim, mantém horários específicos para a religião: Um Novo Dia Começa Para Ti, de segunda a sexta, às 6h; Hora Católica, nos domingos, às 11h, programa antes apresentado pela Farroupilha; e Missa Irradiada, nos domingos, às 19h30, inicialmente transmitida da catedral e, depois, da Igreja Santo Antônio, no bairro Partenon. Mais tarde, em 5 de junho de 1961, estreia A Voz do Pastor, conduzida pelo arcebispo dom Vicente Scherer, um espaço da Cúria Metropolitana, esta dentro da linha mais conservadora do clero. Os vínculos com a igreja são reforçados ainda pela relação de apoio mútuo com a publicação católica Jornal do Dia.

Interesses institucionais também vão estar presentes no dia a dia da rádio. Logo após a negociação com os Associados, a Difusora transmite palestras do professor Armando Pereira da Câmara, então “na luta pela liberdade do ensino no Brasil, ameaçada por grupo poderoso do Ministério da Educação” . Em outras palavras, o ex-reitor da Pontifícia Universidade Católica defende o direito ao ensino particular, quando o ministro Clóvis Salgado da Gama promove uma tentativa de reestruturação dos cursos secundários e superiores no país através da chamada Educação para o Desenvolvimento, que se insere no Plano de Metas do governo Kubitschek. Outro exemplo da preocupação terrena da Igreja Católica levada ao microfone da Difusora é a dogmática pregação anticomunista do então arcebispo dom Vicente Scherer, em A Voz do Pastor. A respeito, escreve Luiz Osvaldo Leite em um dos capítulos do livro Radiodifusão no Rio Grande do Sul, organizado por Lotário Neuberger:

Muito severas foram as análises do marxismo, leninismo e comunismo procedidas por dom Vicente. Suas críticas ao materialismo dialético, bem como às concretizações históricas do comunismo, foram radicais. Não aceitava, igualmente, qualquer forma de esquerdismo.

De modo geral, no entanto, na indefinição dos anos 1960, a emissora veicula programas musicais, apresenta noticiários e transmite competições esportivas. É nela, por exemplo, que o narrador Armindo Antônio Ranzolin e o plantão Antônio Augusto dos Santos vão surgir. Um pouco antes da troca no controle acionário, o radialista Glênio Reis transforma-se ao microfone da PRF-9 no primeiro disc-jóquei do Rio Grande do Sul, desempenhando no estúdio o papel antes exercido pelos animadores nos auditórios, mais um indício de que o espetáculo dava lugar a novas formas de fazer rádio.

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