Farroupilha: de Flores da Cunha a Assis Chateaubriand
2013
Luiz Artur Ferraretto
Os Diários e Emissoras Associados, de Francisco de Assis
Chateaubriand, entram na vida da Farroupilha em 1943. A emissora dos Flores
da Cunha atravessa, na época, uma séria crise financeira, consequência do
posicionamento político de Luiz e Antônio Flores da Cunha, filhos do
ex-governador que, ao retornar do exílio, um ano antes, havia sido recolhido ao
Presídio de Dois Rios, na Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Os gastos com
simpatizantes exilados e com as seguidas tentativas de insurreição armada –
sempre desbaratadas pela polícia política –, além das pressões do Departamento
de Imprensa e Propaganda, afetavam a qualidade da programação e, por extensão,
as atrações limitavam-se ao radioteatro, dirigido por Luiz Pery Borges e
Estelita Bell. Segundo o advogado Ottoni Câmara Arregui, um dos seguidores do
general, a ideia da venda para os Associados parte de Luiz Guerra Flores da
Cunha, que, junto com Daniel Krieger, fecha o negócio com Assis Chateaubriand,
no Rio de Janeiro. A PRH-2 passa, então, a ser administrada por João Freire,
representante dos Associados no Rio Grande do Sul, e Manoel Braga Gastal,
alçado à posição de diretor artístico da Farroupilha.
Ottoni Câmara Arregui, advogado e correligionário do general
Flores da Cunha
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 9 de
setembro de 1999.
A nova situação permite que a programação da emissora seja
aprimorada. Em 2 de julho de 1943, estreia Em Busca da Felicidade,
adaptação de Gilberto Martins para o original do cubano Leandro Blanco,
produção gravada em discos de acetato no centro do país. Dois anos antes, ao
ser transmitida pela Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, a produção patrocinada
pela Colgate-Palmolive tornara-se a primeira novela radiofônica ouvida pelo
público brasileiro. O sucesso desta produção leva à montagem de um núcleo
próprio de novelas, organizado em torno do ator e diretor Walter Ferreira. Além
disto, com o apoio do elenco fixo da rede liderada pelas rádios Tupi, do
Rio de Janeiro e de São Paulo, em pouco tempo, a emissora recupera-se, dobrando
o faturamento em relação ao obtido pelos Flores da Cunha. Empolgados pelo rápido
sucesso de seu empreendimento, os Associados compram um ano depois, em 1944, a Rádio Difusora
Porto-alegrense.
Abertura de Em Busca da Felicidade
Fonte: BASF BRASILEIRA S.A. 1934 - 1984, 50 anos
de memória brasileira.
São Paulo, 1984. Fita cassete.
São Paulo, 1984. Fita cassete.
As negociações envolvendo a PRH-2 e a PRF-9 inserem-se na
lógica de expansão das empresas de Chateaubriand durante a primeira metade da
década de 1940, período em que são adquiridas também a Difusora, de São Paulo;
a Mineira e a Guarani, de Belo Horizonte; a Sociedade da Bahia, de Salvador; e
a Educadora do Brasil (logo rebatizada como Tamoio), do Rio de Janeiro. No Rio
Grande do Sul, os Associados estavam presentes desde 1930, quando haviam
comprado o Diário de Notícias, jornal lançado cinco anos antes. A
aquisição da Farroupilha e da Difusora foi precedida ainda da incorporação, em
1941, do periódico A Razão, de Santa Maria. Em boa parte, no futuro, o
sucesso da Farroupilha sustenta-se na infraestrutura oferecida, em termos
nacional e estadual, pelo conjunto de empresas controlado por Chateaubriand.
No Rio Grande do Sul, o Diário de Notícias – então
segundo jornal do estado, perdendo apenas para o tradicional Correio do Povo
– ampara a divulgação das atrações da emissora e coopera na área informativa e
comercial. Este apoio, no entanto, se dá em um patamar completamente diferente
da relação existente, de 1935
a 1937, entre a emissora e os periódicos da Empresa
Jornalística Rio-grandense. Apesar de refletir as posições políticas de
Chateaubriand, o Diário funciona, predominantemente, como veículo de
comunicação em busca de lucro e não como órgão da imprensa partidária.
Em âmbito nacional, as emissoras dos Associados, no centro do
país, possuíam artistas de renome, alguns dos quais vêm a Porto Alegre para
temporadas ao microfone da Farroupilha. Os empreendimentos de Chateaubriand
destacavam-se, muitas vezes, pelo pioneirismo, transferido de uma para outra
integrante do grupo. Exemplo disto, o Grande
Jornal Falado Tupi, surgido em 1942 na emissora paulista que lhe dá o nome,
tem sua estrutura transplantada para a PRH-2. Com a devida alteração no título,
aparece, no ano seguinte, o Grande Jornal Falado Farroupilha, transmitido
todos os dias das 23 às 23h30.
As comemorações do oitavo aniversário da PRH-2 são um exemplo
destas novas possibilidades à disposição da Farroupilha. Junto com as atrações
locais, apresenta-se, na programação especial do dia 25 de julho de 1943, o
cantor Moraes Neto, da Tupi, de São Paulo, conhecido por interpretar valsas e
versões lentas de fox e samba. Ao
mesmo tempo, o Diário de Notícias abre anúncios de página inteira com
várias fotografias, destacando a dupla Pery e Estelita, o maestro Salvador
Campanella e a cantora Olga Maria, além do próprio Moraes Neto. Na realidade, o
aniversário transcorrera na véspera, um sábado. O domingo, no entanto, talvez
tenha parecido mais adequado à direção da Farroupilha para a programação
festiva transmitida das 7h30 às 15h, dos estúdios, e, das 16 às 23h, do Cinema
Imperial. A
articulação com o Diário de Notícias estende-se, ainda, à distribuição
gratuita, para a segunda parte da irradiação, dos convites colocados à
disposição dos ouvintes no Departamento de Publicidade do jornal. O matutino
dos Associados passa a tratar a PRH-2 como “um dos grandes elos da cadeia dos
Diários Associados” ou “a mais potente”. A mudança no controle da emissora
também é acentuada no noticiário, como neste texto da edição de 15 de julho de
1943 em que eram anunciadas as apresentações da soprano Consuelo Tota e da
folclorista Tania Regina:
É inegável que a Rádio Farroupilha, desde que passou a fazer parte da poderosa cadeia dos Diários Associados, iniciou um ciclo de grandes realizações em todos os seus setores de atividade e, especialmente, no que concerne à parte artística. Novos programas foram lançados ao ar, novos artistas contratados, novo ritmo dado às suas irradiações.
A incorporação da Farroupilha aos Associados vai fazer com que
a emissora lance, nos anos 1940, as bases para que, na década seguinte,
definam-se os contornos de uma indústria de produção de conteúdo voltada ao
entretenimento e caracterizada por produtos de largo consumo, como as novelas
radiofônicas, os programas de auditório e os humorísticos.
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