Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?
2006
Luiz Artur Ferraretto
Uma gargalhada aterradora, por contraditório que pareça,
fazia a alegria das tardes infanto-juvenis de 1944 em Porto Alegre. A
voz cavernosa de Saint-Clair Lopes ecoava nos receptores, perguntando:
– Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos?
Para ele mesmo responder:
– O Sombra sabe... ah-ah-ah-ah-ah!
O Sombra (anos 1940)
Fonte: Acervo particular de Frederico Jorge Barwinkel.
Bastava isto para cativar a atenção dos jovens ouvintes pela
próxima meia-hora. O radioteatro atingia, assim, também o público
infanto-juvenil, graças a gravações em acetato oriundas do centro do país e
patrocinadas por multinacionais.
Ao estilo do que já ocorria nos Estados Unidos, O Sombra associa-se a outros produtos
culturais, como as histórias em quadrinhos. Irradiado
pela Farroupilha para todo o Sul do país, o seriado constituía-se em uma
vantagem competitiva proporcionada pela então recente ligação da PRH-2 com os
Diários e Emissoras Associados, de Assis Chateaubriand.
Patrocinado pela Gillete, O Sombra estreia, na capital gaúcha, às 19h do dia 6 de julho de 1944,
precedido de algumas reportagens publicadas no Diário de Notícias. O seriado já fazia sucesso há seis anos no
rádio dos Estados Unidos. No Brasil, era transmitido pela Tupi, de São Paulo, e
pela Nacional, do Rio de Janeiro. Junto com a Farroupilha, também a Rádio Clube
de Pernambuco, de Recife, começou a irradiar as aventuras do milionário Lamont
Craston. O jornal dos Associados faz, então, ampla publicidade de O Sombra:
Esse personagem tão temido, entretanto, é um homem de carne e osso como todos nós, mas como nenhum de nós possui um poder sobrenatural: há muitos anos na Índia, ele conquistou, através do ocultismo, a invejável faculdade de se tornar invisível – prendendo os inimigos no mais flagrante delito, não raro empenhando-se em brigas perigosíssimas para si e para quem conhece sua noiva, a linda Margot Lane, a única aliás que conhece o segredo de o Sombra. Esse homem de carne e osso não é outro senão Lamont Craston, jovem rico e elegante, possuidor de excelente ilustração e praticante de esportes como todo bom americano.
Além da frase inicial, o alter ego de Craston recorria a
outros bordões como “O crime não compensa” e “As sementes do crime produzem
frutos amargos”. Nos anos 1930, o Sombra tornou-se o primeiro grande herói dos pulps, publicações populares impressas
em papel de baixa qualidade e típicas da época da depressão econômica posterior
à quebra, em 1929, da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Em abril de 1931, a Street & Smith
publica a primeira novela policial do personagem criado por Walter B. Gibson,
que assina as estórias com o pseudônimo Maxwell Grant. Na versão radiofônica estadunidense,
iniciada em 1937, Orson Wells interpreta o Sombra. No Brasil, a estreia do
seriado foi precedida da publicação das novelas originais pelo Suplemento Policial em Revista e das
histórias em quadrinhos por O Lobinho.
Isto ainda no início da década de 1940. O seriado começou a ser transmitido
pela Nacional no dia 16 de novembro de 1943.
Capa da revista O Lobinho, número 12, em que foi publicada,
pela primeira vez no Brasil,
uma aventura em quadrinhos do Sombra (abril de 1941)
uma aventura em quadrinhos do Sombra (abril de 1941)
Fonte: Quadrinhos, Rio de Janeiro: Ebal, ano 1, 3ª
série, n. 1, p. 2, out. 1974.
O personagem era tão forte que o bordão “O Sombra sabe”
ficaria marcado na mente de centenas de ouvintes. Assim, mais de três décadas
depois, em 1979, José Lewgoy encarnaria uma versão tupiniquim-escrachada. Na
Rede Globo de Televisão, a novela de Bráulio Pedroso, Feijão Maravilha, homenageando as chanchadas da Atlântida, fazia
uma caricatura do velho Sombra dos anos 1940, relembrando também as dezenas de
vilões interpretados por Lewgoy no cinema. A versão nada autorizada do herói –
um bandido misterioso, mas algo atrapalhado – teve por mérito, pelo menos,
trazer de volta, de 16 de março a 9 de agosto daquele ano, a aterradora voz do
Sombra, tornando, mais uma vez, popular o bordão, afinal:
– O Sombra sabe... ah-ah-ah-ah-ah!.
Tudo muito bom,MAS QUEM FAZIA A VOZ DO SOMBRA NA RÁDIO NACIONAL DO RIO? Essa é a pergunta.
ResponderExcluirSaint-Clair Lopes (aliás como está no primeiro parágrafo do texto).
ResponderExcluirPrecisava conformar a informação de que no RS o locutor Egon Bueno também teria interpretado "O Sombra". Essa informação procede??
ResponderExcluirNão temos esta informação. De fato, sabemos apenas da versão de O Sombra irradiada pela Farroupilha e gravada no centro do país. Talvez a referência seja à televisão. Nos anos 1960, Egon Bueno fazia um personagem chamado Sombra no telejornal Show de Notícias. O programa da TV Gaúcha baseava-se em atração homônima da TV Excelsior. Ouvia-se a voz de Egon, aparecendo apenas a sua sombra projetada sobre uma tapadeira. Coisas da época. E sem a risada do personagem dos pulps e do rádio. A respeito do Show de Notícias, dê uma olhada em uma postagem nossa: https://youtu.be/p1DtOL_2teg.
ExcluirBelo texto. Viajamos para aquela época.
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