O centenário de Pedro Raymundo
2006
Luiz Artur Ferraretto
Pedro Raymundo (anos 1940)
O cantor apresenta-se ao microfone da Rádio Caxias.
Fonte: MINAS, Vitor; LOPES, Israel. Pedro Raymundo. Porto Alegre: Tchê/ RBS, 1986. p. 8.
O Rio Grande do Sul tem relembrado centenários de seus
grandes nomes com o merecido apoio do governo do estado e do meio empresarial.
Foi assim em 2005 com Erico Verissimo. Está sendo assim, este ano, com Mario
Quintana. A lembrança dos dois, escritores de obra perene, comparada ao quase
esquecimento em torno do gaiteiro Pedro Raymundo demonstra o caráter efêmero do
ídolo popular. Não há dúvida do reconhecimento nacional, nas décadas de 1940 e
1950, em relação ao autor de Adeus,
Mariana, canção que segue sendo gravada, lançada e fazendo sucesso nas
interpretações de gente como Gaúcho da Fronteira, Sérgio Reis, Tonico e Tinoco,
Neto Fagundes e Ernesto Fagundes ou Osvaldir e Carlos Magrão. Alguns vão dizer,
com certa dose de preconceito, talvez com certa dose de razão, que é forçada a
comparação entre um romancista e um poeta, de universos mais eruditos, e um
músico, do início do que se chama cultura de massa. Serve, no entanto, para
lembrar a imensa popularidade de que gozava o gaiteiro e o quase total
esquecimento a respeito de sua pessoa, não do seu trabalho, nos dias de hoje.
Mas vamos à história deste gaúcho de Imaruí, Santa Catarina, onde nasceu no dia
29 de junho de 1906.
Em 1935, na Rádio Gaúcha, o poeta Lauro Pereira Rodrigues
apresenta o programa Campereadas. É
neste espaço que começa a se destacar o cantor e compositor Pedro Raymundo,
mais tarde conhecido pelo epíteto “o gaúcho alegre do rádio”. Contratado em
1939 pela Farroupilha, o gaiteiro forma – com Oswaldinho, Zé Bernardes e Zico –
o Quarteto dos Tauras. O conjunto se desfaz, quatro anos depois, com a
transferência de Pedro Raymundo para o cast
da Nacional, do Rio de Janeiro, na época consolidando-se como a principal
estação radiofônica do país. Na sequência, ainda em 1943, a Columbia lança um
disco com as canções Tico-tico no
Terreiro e Adeus, Mariana, ambas
de sua autoria. Os versos entram para a memória musical brasileira:
Nasci lá na cidade, me casei na serra.
Com minha Mariana, moça lá de fora.
Um dia estranhei os carinhos dela.
Disse “Adeus, Mariana que eu já vou embora”.
É gaúcha de verdade dos quatro costados.
Que usa chapéu grande, bombacha e esporas.
E eu que estava vendo o caso complicado.
Disse Adeus Mariana que eu já vou embora.
Nem bem rompeu o dia me tirou da cama.
Encilhou o tordilho e saiu campo afora
e eu aproveitei e saí dizendo:
“Adeus, Mariana que eu já vou embora”
Ela não disse nada, mas ficou cismando.
Que era dessa vez que eu daria o fora.
Pegou uma soiteira e veio contra mim.
Eu disse: “Larga Mariana que eu não vou embora”.
Ela ficou zangada e foi quebrando tudo.
Pegou a minha roupa e jogou porta a fora.
Agarrei uma trouxa e saí dizendo:
“Adeus, Mariana que eu já vou embora”.
Com esta canção simples e trajes típicos do Rio Grande do
Sul, Pedro Raymundo vai se tornar, como observa Luiz Carlos Saroldi, “uma das
marcas do Programa César de Alencar”,
na Rádio Nacional, então o principal programa de auditório do país. Deste modo,
constitui-se no primeiro cantor gauchesco a ficar conhecido, graças ao rádio,
fora do estado, chegando a inspirar o pernambucano Luiz Gonzaga a adotar também
vestimentas típicas – no caso, as usadas no sertão nordestino – em suas
apresentações.
A respeito, Tonico e Tinoco recordariam em suas memórias que
somente Luiz Gonzaga, nos anos 1940, se igualava em popularidade ao “gaúcho
alegre do rádio”. Pois “o homem que varreu a tristeza do dicionário”, outro slogan com o qual é apresentado aos
ouvintes na época, aparece triste em uma velha edição da Revista do Rádio em dezembro de 1959, ele que em outros tempos
servira, no auge, de capa à mesma publicação. Naquele ano, havia se submetido a
uma cirurgia para corrigir um desvio no polegar e ficara com a mão paralisada,
o que o afastaria da música durante dois anos. Na reportagem, ele reclama dos
boatos sobre o fim de sua carreira artística:
– A maldade surgiu dentro dos corredores das emissoras. O
mal de um artista é sempre querer destruir o seu colega. Todavia, fiquem todos
sabendo que voltarei para cantar e tocar acordeão.
Aconselhado pelos amigos a encerrar a carreira, Pedro
Raymundo retoma suas apresentações em 1963 na Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro,
justamente a emissora em que se apresentara, duas décadas antes, então
recém-chegado de Porto Alegre. No mesmo ano, volta ao Rio Grande do Sul e faz
uma temporada na Rádio Gaúcha. Sem a mesma vitalidade de antes, logo se transfere
para a cidade de Lauro Müller, onde conduz o Programa Pedro Raymundo, às seis da manhã, na Rádio Cruz de Malta.
Na mesma época, apresenta atrações semelhantes nas rádios Eldorado, de
Criciúma, e Diário da Manhã, de Florianópolis.
Em 1971, retorna ao microfone da Gaúcha. Está empobrecido e
demonstra um considerável desgaste em suas apresentações. Como registram Vitor
Minas e Israel Lopes no livro Pedro
Raymundo, uma das poucas biografias a respeito do autor de Adeus, Mariana, a Teixeirinha, um dos
seus sucessores no gosto do público, dá pena, na época, o estado do gaiteiro:
– Encontrei-me com o Pedro em um show promovido pela Rádio
Gaúcha. Levei-o na Rodoviária, no meu carro, e lá tomamos uma água tônica
juntos. Falei para ele, vendo que já não podia mais trabalhar e já quase não
enxergava bem. Perguntei se ele estava bem financeiramente para parar. Ele me
respondeu que estava mais ou menos bem, morando em Santa Catarina
novamente na cidade do carvão. Estava trabalhando, mas estava encostado no INPS
e me disse que eu estava com a razão em pedir para ele parar e ficar com o nome
na história, porque o povo já não estava aceitando ele como antes e sim o amava
pelo que foi.
Dois anos depois, no dia 10 de julho de 1973, aos 67 anos,
no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, morre de câncer o gaiteiro Pedro
Raymundo, praticamente esquecido. Diversos músicos seguem gravando suas
canções, em especial Adeus , Mariana. Como lembram Vitor Minas e
Israel Lopes na pequena biografia publicada em 1986 dentro da coleção Esses
Gaúchos, valendo o hoje deles ainda mais para o hoje de hoje:
Hoje, contudo, se ressuscitasse, o Gaúcho Alegre seria
execrado pelos sentinelas do nativismo, eternamente debruçados sobre o que é ou
não autenticamente gaúcho. Misturou a temática nossa com a de outros estados,
interpretava polcas, valsas, marchinhas e até baião. Sem pretender mais do que
a condição de gaúcho adotivo, cantou isso com orgulho e sentimento. Foi,
certamente, o primeiro músico que assumiu a identidade do nosso homem rural.
Rendo meu tributo a esse "Cataúcho" - como seria chamado hoje - que teve muito sucesso durante várias décadas no Brasil inteiro e que deixou um legado importantíssimo para as novas gerações de regionalistas e nativistas. Salve, Pedro Raymundo!
ResponderExcluirDepois de Pedro Raymundo gravar seu primeiro disco em 1943, somente 12 anos depois, em 1955 os Irmãos Bertussi gravam seu primeiro disco no estilo musical dele. Quando Teixeirinha gravou seu primeiro disco em 1958, que foi no estilo Bossa Nona, vendo que não fez sucesso; teve que se render ao estilo de Pedro Raymundo para fazer sucesso. Portanto, o catarinense Pedro Raymundo é a raiz mestra da música gauchesca. Que a justiça seja feita. O Rio Grande do Sul deve a ele, pelo menos, um busto em Porto Alegre.
ResponderExcluirApoiado!
Excluir