Ivo Serrão Vieira: pioneiro de dois estados
2005
Luiz Artur Ferraretto
Ivo Serrão Vieira (1957)
Fonte: Revista do Globo,
Porto Alegre, ano 28, n. 692, p. 52, 15 jun. 1957.
– Alemão, barriga de cachorra velha, desgraçado! Vem cá, Alemão, vem cá! Vem aqui falar com o campeão, vem! Vem cá, Alemão! Olha lá que
ele tá com as bochechas que chega a tá tremendo, minha mãe do céu! Vem cá! Vem
cá, Alemãozinho. Chega aqui perto! Que cara é essa? Não vai chorar na minha
frente, Alemãozinho! Tu não é disso, que eu sei. Não vai chorar, barriga de
cachorra velha. Ora, coitadinho do Alemão...
A gargalhada inicial e a voz esganiçada a debochar do
corpulento Alemão, o torcedor do Grêmio Foot-ball Porto-alegrense interpretado
por Walter Broda, anuncia a presença, ao microfone da PRH-2 – Rádio
Farroupilha, da parte colorada, o Negrinho fanático pelo Sport Club
Internacional, vivido pelo ex-ator de circo e teatro Ary Marinho, que ninguém
conhece por este nome, mas que todos identificam pelo apelido Pinguinho,
referência direta ao porte franzino do comediante de um metro e meio de altura.
É mais um Drama do Futebol,
humorístico de sucesso, em especial, no dia seguinte a um Grenal, daqueles que
decidem o Campeonato Gaúcho. Aí, o vencedor tripudia, com gosto, sobre o
perdedor para a graça de todos, os que torcem por um ou outro time, os que
estão em casa ou no Auditório Associado, na Sete de Setembro, centro de Porto
Alegre. Então, o movimento em frente às instalações da emissora começa bem
cedo. Horas antes, já chegam pessoas, formando, aos poucos, uma longa fila para
obter um dos lugares disponíveis e garantir, assim, a possibilidade de, além de
ouvir, ver os dois atores que entram no palco somente às 12h05.
Pinguinho revive o Drama
do Futebol (1977)
Entrevista realizada por José Antônio Daudt para o programa Opinião Pública, da Rádio Difusora
Porto-alegrense, transmitido em 26 de setembro de 1977.
Fonte: Acervo do Museu de Comunicação Hipólito José da Costa.
Fonte: Diário de
Notícias, Porto Alegre, 21 jun. 1957. p. 12.
Um dos mais lembrados humorísticos do rádio porto-alegrense, o
Drama do Futebol explora, ao longo
dos anos 1950, a
dualidade típica do gaúcho: de chimangos e maragatos a, no caso do programa,
gremistas e colorados. Na criação, no entanto, está o catarinense Ivo Serrão
Vieira, natural de São Francisco do Sul e pioneiro da Rádio Guarujá, de
Florianópolis. A ele, o rádio do Rio Grande do Sul deve alguns de seus momentos
mais engraçados.
Se em Drama do Futebol
o cotidiano urbano constitui-se na principal referência para a comicidade,
outra criação de Serrão Vieira explora a vertente inaugurada no centro do país,
ainda nos anos 1930, na qual a sala de aula serve de ambiente para situações
humorísticas centradas em um aluno problema. É o programa Aula de Dona Rita – depois, rebatizado como Escola de Dona Rita –, com um caráter que seu criador considerava
“pedagógico-humorístico”. Um exemplo é este trecho em que a professora enfrenta
o aluno-problema Seu Jojó:
– Seu Jojó, fale sobre o Rio Amazonas!
– Rio Amazonas, professora?
– Preste atenção que eu vou dizer uma vez e, depois, o senhor
vai repetir: O Rio Amazonas nasce no Peru, atravessa o Brasil, de leste para
oeste, e lança-se no Atlântico, através de um vasto estuário, no meio do qual
está situada a Ilha de Marajó. Repita!
– O Rio Amazonas nasce de um Peru, atravessa o Brasil de leste
para o faroeste e se lança no transatlântico, através do vestuário, no meio do
qual está sentada a galinha carijó.
Serrão Vieira e o programa Aula
da Dona Rita
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 10 de agosto
de 1999.
Em 1950, Ivo Serrão Vieira transfere-se para a Gaúcha e, em
função de Aula de Dona Rita,
protagoniza a primeira disputa por direitos autorais da história do rádio do
Rio Grande do Sul. Dois anos e meio depois, a justiça vai dar ganho de causa ao
produtor, que negocia a continuidade da atração na PRH-2.
Antes, no final dos anos 1940, Serrão Vieira cria outro
humorístico que parodia filmes de sucesso ou inventados por ele e apresentados
como tal: O Cangaceiro, Otelo e Desdêmona, Romeu e Julieta, Tarzan e o
Homem da Calça Frouxa, Voo ao Planeta
Marte... De 1948 a
1949, com suas estórias completas, o programa Rádio Comédia vai ao ar nas noites de quarta-feira e,
posteriormente, nas de segunda. Por volta de 1953, com o produtor de volta à
Farroupilha, ocupa uma faixa do horário noturno, aos sábados. Reveste-se de
importância por se constituir em um dos únicos registros sonoros existentes da
época. Pelas gravações, pode-se verificar o intenso – e, neste caso específico,
habilidoso – recurso ao trocadilho nas produções humorísticas deste autor. Um
exemplo aparece no trecho a seguir da versão – “avacalhada”, no dizer de Serrão
Vieira – de O Cangaceiro, de Lima
Barreto, sucesso internacional do cinema brasileiro, lançado em 1953 pela
Companhia Cinematográfica Vera Cruz e premiado no Festival de Cannes. Trata-se
da abertura do programa na voz do próprio produtor e dos locutores Euclides
Prado e Ronald Pinto:
Locutor 1 –- A Companhia Cinematográfica Ver a Cruz no
Cemitério tem o prazer de apresentar...
Locutor 2 – ...a sua maior criação em matéria de pastelão,
intitulada...
Locutor 3 – ...O Cangaceiro...
Locutor 1 – Uma vibrante estória de aventuras passada nas
catingas nordestinas. E são tantas as catingas que aparecem nesta fita que é
bom que você tenha um lenço à mão.
Locutor 2 – A vibrante narrativa de um homem mau que tinha
muito de bem. Ou de um homem de bem que tinha muito de mau. E que, apesar de
mau, fazia bem. E, apesar de fazer bem, era mau.
Locutor 3 – Esta é a comovente estória de um cangaceiro que
ensinava a fazer lenda, de uma professora que ensinava o beabá, de uma rendeira
que ensinava a fazer renda e de um boboca que aprendia a namorar.
Rádio Comédia (anos 1950)
Primeira faixa do material que Ivo Serrão Vieira pretendia
lançar em CD na década de 1990, o que não chegou a ocorrer.
Fonte: VIEIRA, Ivo Serrão. PRH- 2 – Uma eterna saudade.
Porto Alegre, 1999. CD.
Serrão Vieira e o programa Rádio Comédia
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 10 de agosto
de 1999.
A comicidade de Ivo Serrão Vieira vai chegar aos anos 1980 no
serviço de Disque-piadas, da então Companhia Rio-grandense de Telecomunicações.
Readaptando esquetes antigos e criando novos, o produtor faz, então, centenas
de pessoas ligarem a cada dia para o serviço da CRT. Dono de um dos mais
antigos estúdios de gravação do Rio Grande do Sul, Serrão Vieira faleceu no dia
26 de novembro de 2001, aos 80 anos.
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