O Estado Novo e a Rádio Farroupilha
2013
Luiz Artur Ferraretto

À medida que, em surdina, articula-se o Estado Novo, diminui o espaço político do antes poderoso general Flores da Cunha, patriarca da família que controla a PRH-2 – Rádio Farroupilha, de Porto Alegre. Em maio de 1937, já sem a maioria na Assembleia Legislativa e com a Brigada Militar sob ameaça crescente de federalização, o governador do estado passa a apoiar a candidatura de Armando de Salles Oliveira à Presidência da República. O seu Partido Republicano Liberal integra – junto com o Partido Constitucionalista, de São Paulo, e o Partido Republicano Mineiro – a União Democrática Brasileira (UDB). Na mesma época, Getúlio Vargas, de um lado, lança o paraibano José Américo de Almeida, enquanto, de outro, prepara o golpe que suspenderá as eleições marcadas para 3 de janeiro de 1938.

Flores da Cunha e seus filhos (outubro de 1930)
Da esquerda para a direita, Antônio Guerra Flores da Cunha, José Bonifácio Guerra Flores da Cunha, José Antônio Flores da Cunha e Luiz Guerra Flores da Cunha.
Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 12 out. 1930. p. 12.

Os veículos de comunicação controlados pela família Flores da Cunha são postos, assim, a serviço da UDB. O Jornal da Manhã, administrado pelos filhos do governador, publica, diariamente e com destaque, um cabeçalho em quase todas as suas páginas, onde se lê: “Para presidente da República, votai no candidato democrata Armando de Salles Oliveira”. Quando o ex-governador paulista vem ao estado em setembro, a Farroupilha transmite vários comícios, inclusive os realizados em cidades do interior como Pelotas e Caxias do Sul, utilizando as linhas de longa distância da Companhia Telefônica Rio-grandense. O ponto alto da participação da PRH-2 na campanha eleitoral ocorre com a irradiação de uma concentração política no Parque Farroupilha, onde Armando Salles de Oliveira e os partidários da sua candidatura discursam para 350 mil pessoas, número consideravelmente ampliado através da difusão do comício pelos potentes transmissores da estação dos Flores da Cunha.

A crise com o governo federal chega ao ponto máximo em outubro. No dia 18, como consequência da ordem de federalização da Brigada Militar, o general renuncia e pede asilo político ao Uruguai, partindo em um avião da Varig na direção de Montevidéu. O país já está, então, em estado de guerra pela divulgação do chamado Plano Cohen, descrevendo a articulação de uma suposta insurreição comunista. O documento falso serve de pretexto à decretação do Estado Novo, em 3 de novembro. Como ditador, Getúlio Vargas vai usar todo o aparelho repressivo governamental posto a sua disposição para perseguir a oposição.

No Rio Grande do Sul, as forças de segurança prendem partidários e simpatizantes do general Flores da Cunha. O próprio diretor da Farroupilha, Arnaldo Ballvé, homem avesso à política, chega a ser detido. Em junho de 1937, a Empresa Jornalística Rio-grandense já suspendera a circulação do Jornal da Manhã e do Jornal da Noite. Assim, depois da renúncia e do subsequente golpe do Estado Novo, o palacete da PRH-2, na Duque de Caxias, torna-se ponto de convergência da oposição. Diariamente, por volta das 11h, no gabinete de Luiz Guerra Flores da Cunha, reúne-se um grupo oposicionista, formado, entre outros, por Daniel Krieger, Ottoni Câmara Arregui e João Pibernat de Carvalho. Os encontros são vigiados pelas forças de segurança da ditadura. Neste contexto, chega do Uruguai um manifesto em que José Antônio Flores da Cunha afirma a sua firme decisão de voltar ao país para liderar um movimento contrário às arbitrariedades do Estado Novo. No início da noite, pela voz de Manoel Braga Gastal e pelo microfone da emissora, o general exilado vai falar ao estado e ao país. A cada cinco minutos, um locutor anuncia, criando suspense e chamando a atenção dos ouvintes: “Aguardem, às 19h, uma importante informação política”. À tarde, o texto original intitulado Aos meus amigos do Rio Grande do Sul é reduzido para dois minutos e meio, levando em consideração o tempo a ser gasto pelos agentes da Delegacia de Ordem Política e Social, a polícia política, para o deslocamento da sede da Repartição Central de Polícia, no número 1.411, até o prédio da PRH-2, no 1.304, na mesma Duque de Caxias. Manoel Braga Gastal, em seu livro Flashes de vida, descreve como se deu a intervenção policial:

Mal chegara à metade do texto e já ouvia o barulho da pancadaria, embora a pesada porta acústica da cabina de locução filtrasse os ruídos de intensidade comum. Gritos ferozes, sons de móveis caindo, invasão dos estúdios, um inferno. Pelo visor de vidro vi passar voando uma estante de suporte de partitura musical da orquestra do maestro Salvador Campanella, diretor dos programas musicados da estação. Aumentei a velocidade da leitura, mas a proclamação me fora arrancada das mãos. Fui violentamente puxado para fora da cabina. Pude constatar, então, o que fez a fúria de beleguins – era como se houvesse passado pelo local um regimento da SS hitlerista. Estava ferida a austera emissora, de tantos serviços prestados nos seus três anos de existência [...].
A promessa de Flores da Cunha contida no manifesto vai demorar a se concretizar. Quando o general retorna, em 1942, é imediatamente preso, sendo indultado um ano depois. Nesta época, a Farroupilha, por sua vez, enfrenta problemas econômicos que levam a sua venda para os Diários e Emissoras Associados, em 1943.


Manoel Braga Gastal
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 3 de outubro de 1999.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Em breve, estaremos analisando a sua postagem. Grato pela colaboração.