A inauguração da Rádio Farroupilha
2005
Luiz Artur Ferraretto
Uma fria noite de inverno. O público se aglomera em frente a
um casarão da Duque de Caxias, número 1.304, em pleno centro de Porto Alegre.
Em torno do prédio de dois andares, cada um espera ver, nem que seja por breves
instantes, na chegada ou na saída, dois dos mais importantes artistas da música
brasileira, assunto, desde a véspera, das rodas de conversa da Rua da Praia, a
principal da cidade. De fato, neste 24 de julho de 1935, repete-se o acontecido
na tarde anterior, quando centenas de pessoas foram até o cais do porto, junto
à estação flutuante do Condor Syndikat. De um hidroavião da empresa aérea
alemã, desceram então Carmen Miranda, sem dúvida a maior cantora brasileira, e
Mario Reis, um dos principais intérpretes da música de Noel Rosa. Ela, que
havia vendido, quebrando recordes, 36 mil cópias do seu terceiro disco, o da
marchinha Pra você gostar de mim, de Joubert de Carvalho, ou melhor, de Taí,
como o povo rebatizou o samba, entoando a letra em todos os carnavais, enquanto
existirem pierrôs e colombinas. Ele, não Francisco Alves, o mais importante
cantor do momento, mas o ex-parceiro do rei da voz, na dupla desfeita há dois
anos, em 1933.
Mario Reis e Carmen Miranda chegam a Porto
Alegre para a inauguração da
Rádio Sociedade Farroupilha (23 de julho de 1935)
Rádio Sociedade Farroupilha (23 de julho de 1935)
Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 24 jul.
1935. p. 5.
Pra você gostar de mim (Taí), de Joubert de
Carvalho, na voz de Carmen Miranda acompanhada pela Orchestra Victor (1930)
A cantora de trejeitos brejeiros e o intérprete quase
aristocrata da voz sempre em um tom abaixo a criar estilo estão em Porto Alegre
e – à boca pequena, na voz de renitentes elitistas, ou, de forma escrachada, na
dos seus admiradores confessos – vão participar, nesta noite, da inauguração
oficial da PRH-2 – Rádio Sociedade Farroupilha, “a maior broadcasting do
país”, como os jornais não deixam ninguém esquecer nos últimos dias.
Pelos corredores dentro do casarão nos altos do viaduto que
corre perpendicular à avenida Borges de Medeiros, circula um orgulhoso Arnaldo
Ballvé, ex-funcionário do Banco da Província do Rio Grande do Sul convertido em
diretor da estação pelos laços de parentesco e amizade entre a sua família e a
dos proprietários, a do general José Antônio Flores da Cunha, governador do
estado. Junto ao estúdio, apenas convidados especiais a garantir certa feição
de elite à PRH-2, primeira grande emissora de rádio do Sul do país. Na Duque e
ao longo das quatro escadarias do viaduto, a multidão cresce na expectativa
também de ouvir seus ídolos pelos alto-falantes colocados no lado de fora do
prédio.
Estúdio da Rádio Sociedade Farroupilha (1937)
Fonte: Revista do Globo, Porto Alegre: Livraria
do Globo, ano 9, n. 210, p. 47, 24 jul. 1937.
Pouco depois das 20h, após a chegada do governador gaúcho
com os integrantes do secretariado estadual, o locutor Arildo Príncipe
encarrega-se da apresentação inicial da Farroupilha. Na sequência, discursa o
próprio Flores da Cunha, além de outras autoridades. A noite, no entanto, é de
Carmen Miranda e Mario Reis ao microfone da PRH-2. Em um desfecho apoteótico,
acompanhando os seus ídolos pela Duque de Caxias, descendo com eles em direção
ao Grande Hotel, onde os dois estão hospedados, a multidão vai se apropriando
do rádio. Naquele trecho, as pessoas já são ouvintes e não mais sem-filistas ou
amadores da radiofonia, como nos tempos das sociedades de elite. Com 25 kW,
maior potência entre as emissoras brasileiras da época, a Farroupilha nasce
para reinar como pioneira do lazer massivo no Rio Grande do Sul.
Frederico Arnaldo Ballvé, filho de Arnaldo Ballvé,
primeiro diretor da Farroupilha
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 29 de
abril de 1999
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