70 anos do Teatro Farroupilha
2007
Luiz Artur Ferraretto
Cartão distribuído aos fãs do Teatro Farroupilha (1942)
Além de Pery e Estelita, aparecem, entre outros, Ruy Figueira,
locutor da versão gaúcha do Repórter Esso; Josué Guimarães, mais
tarde, consagrado escritor; Walter Ferreira, futuro galã de radioteatro; e
Renée Bell, mãe de Estelita.
Fonte: Acervo particular de Estelita Bell
O locutor Mario Pinto identifica a emissora:
– PRH-2 – Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, 50 kW.
Mensagens que vão mais longe!
Ao seu lado, Zênite Amaral começa uma espécie de jogral a
marcar a abertura do programa, para, na sequência e após a trilha musical,
Mario Pinto complementar, com sua voz forte e, a exemplo dela, também
escandindo os erres na pronúncia bem típica do rádio de então:
– Num oferecimento exclusivo das Lojas Imcosul, a Rádio
Farroupilha anuncia e apresenta…
– …o Grande Teatro Farroupilha…
– …sempre com um original de categoria para o desempenho de
um elenco também de categoria!
É a noite de 29 de julho de 1962. Nos próximos 60 minutos,
vão se alternar ao microfone da PRH-2 algumas das vozes mais significativas da
dramaturgia radiofônica do Rio Grande do Sul. Ali, estão Pery Borges e Estelita
Bell, os pioneiros desta atividade no estado, eles próprios criadores, quase 25
anos antes, do Teatro Farroupilha, mais tarde rebatizado com o
adjetivo “grande” a anteceder a sua denominação original. Como fizeram até
1945, ano de sua transferência para a Rádio Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro,
os dois interpretam e Estelita dirige. Só o texto – ao contrário daquele
período anterior de nove anos –, nesta apresentação especial, não é de Pery. O
roteiro de Uma mulher singular vem da máquina de datilografia
de Erico Cramer, que, em carreira paralela à de Pery e Estelita, escrevera e
ensaiara a primeira radionovela do Rio Grande do Sul, O solar dos
Alvarengas, assim mesmo com este “s” a mais e levada ao ar a partir de 28
de março de 1943, quando ele ainda assinava com o nome artístico de Roberto
Lis. Em um dos papéis principais, aparece Ernani Behs, um dos maiores galãs do
rádio gaúcho. Fora isto, há a sonoplastia e a sonotécnica de Victor Stoebe,
complementada pelos efeitos de estúdio de Abel Gonçalves.
Para quem sintoniza a emissora nessa noite de domingo, fica
a homenagem da Rádio Farroupilha a Luiz Pery Borges e Esther Daniotti,
conhecidos como Pery e Estelita, “marcos da era radioteatral no Sul”, como registra
o Diário de Notícias, dias antes, ao anunciar a presença dos dois –
“a dupla de ouro” dos anos 1930 e 1940 – nas comemorações do 27º aniversário da
PRH-2. Quarenta e cinco anos após a sua transmissão, esta edição do Grande
Teatro Farroupilha constitui-se no único registro sonoro do programa
que mobilizou audiências nas noites de domingo, de 1937 até o final dos anos
1960.
A gravação é uma prova do valor de Pery e Estelita e merece
ser lembrada neste dia 5 de setembro de 2007, quando se completam sete décadas
da estreia do Teatro Farroupilha, terceira atração deste tipo a
entrar no ar no rádio brasileiro. Merece ser lembrada porque comprova o descaso
infinito deste país para com a sua memória. Quando Esther Daniotti Borges, a
Estelita, faleceu há alguns anos, foi a consciência de um brasileiro anônimo
como tantos que fazem deste país uma pátria a ser reivindicada. Não um
político. Não um doutor a excretar arrogância em confortáveis gabinetes
acarpetados. Ao longo dos anos, Renato Rezende Cordeiro apreendeu a respeitar
aquela senhora que se dividia entre papéis na televisão e no teatro. Uma
cordial troca de palavras na entrada do edifício no centro do Rio de Janeiro.
Ela passando, ele atrás do pequeno balcão de madeira da portaria. Renato salvou
do lixo uma fita com a gravação lá de 1962. Salvou muitos outros materiais que
iriam para o lixo ou seriam até incinerados. Aos 94 anos, Dona Estelita sofreu
uma queda e fraturou o fêmur, vindo, tempos depois, a falecer. Pois foi o
Renato que ajudou a socorrê-la junto com a empregada, Dona Maria, uma espécie
de anjo da guarda da velha atriz. Numa carta, ele me diria:
– Uma atriz nota 10 como a Dona Estelita não poderia cair no
esquecimento. Consegui resgatar a história desta mulher, que tive o prazer de
conhecer e, quando ajudei no seu socorro, o privilégio de ter em meus braços a
maior atriz do rádio do Rio Grande do Sul, porque não dizer do Brasil.
E nisto, para quem duvidar, o Renato concorda com Chico
Anysio, grande admirador de Estelita Bell. Entrevistado pela Revista do
Rádio, nos anos 1960, o humorista seria taxativo apontando-a como a melhor
atriz do rádio brasileiro. Só para ter uma ideia, na mesma reportagem, Chico
colocava, em posição idêntica, mas na TV, Fernanda Montenegro.
Neste dia 5 de setembro de 2007, há que se lembrar do Renato
mesmo. A ele, o Rio Grande do Sul deve parte de sua memória: roteiros e mais
roteiros, fotografias, gravações e outros documentos.
E assim Pery e Estelita seguem vivos.
Grande Teatro Farroupilha (29 de julho de 1962)
Fonte: Acervo particular de Estelita Bell.
Muita saudades.
ResponderExcluirComo lembro do Grande Teatro... Lembro, também, do Maestro (cego) Arthur Elzner e ainda canto "O Mundo dá tantas voltas" "querer-te não quero"... temas de novelas da Farroupilha.
ResponderExcluirMeu tio, Walter Ferreira, trabalhou no radioteatro da Farroupilha, como ator e diretor, desde o final da década de 1930 até 1955. Entre 1955 e 1958 trabalhou na Nacional do Rio de Janeiro e retornou a Porto Alegre em 1958 para trabalhar, também como ator e diretor de novelas, na rádio Gaúcha até vir a falecer em 1970.
ResponderExcluirA respeito de Walter Ferreira, recomendo a leitura destes dois textos em que o grande radialista é citado: "Radionovelas: a açucarada luta entre o bem e o mal" - https://bit.ly/3MEhj5n - e "O romance de uma empregadinha e um final feliz" - https://bit.ly/3rWtdzN. Desse último, destaco uma frase de um texto maravilhoso de Jayme Copstein: "À noite, tudo era silêncio de deserto, quebrado apenas por passos perdidos, assobios solitários e vozes macias que saíam do receptor de rádio. Na pensão onde eu morava, uma menininha, ainda mudando os dentes e colecionando estampas do sabonete Eucalol, tinha perguntas irrespondíveis: aquela gente que falava no rádio era de verdade? Dona Rosa, a mãe, viúva jovem, entortando a coluna na máquina de costura para encaminhá-la com honestidade, polemizava: – Pra dizer 'meu amor', só o Walter Ferreira. O Ernani Behs também fala gostoso, mas, para mim 'meu amor', só o Walter.".
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