Um dia em uma emissora de rádio dos anos 1920
2008
Luiz Artur Ferraretto
Estação receptora do radiófilo Pedro Cézar de Oliveira,
em Porto Alegre (1927)
Fonte: Diário de Notícias, Porto Alegre, 10 set.
1927. p. 18.
Era mesmo tudo diferente naquela época: dos trajes, formais
talvez, às relações, marcadas pela elegância da mão na aba do chapéu a saudar
moçoilas no cruza-cruza do flerte de final de tarde na Rua da Praia, centro de
uma Porto Alegre nada cosmopolita, mas um tanto mais humana. De fato, uma vida
mais lenta, menos apressada. Rádio, então, não passava de uma curiosidade dos
rapazes de boas famílias, expressão usada com frequência, sempre para indicar a
posição social, o pertencer à elite, aquela parcela da população com tempo e
dinheiro para flanar quando o Sol ia se pondo e, com a Lua e as estrelas já no
céu, frequentar os bares, os cafés, os restaurantes e, conservadorismos postos
de lado, tanto a parte pública quanto privada dos puteiros da época. Entre o borburinho
dos garçons indo e vindo, das risadas das chamadas mulheres da vida fácil, das
borbulhas de champanhe ou do farfalhar dos lençóis, talvez tenham saído as
primeiras ideias, curiosidades iniciais, em torno da formação das sociedades ou
clubes de radiófilos.
Radiófilos, sim. Ou sem-filistas, ou amantes da radiofonia.
Os adeptos deste novo lazer não eram, ainda, ouvintes. Nem as emissoras, por
certo, eram emissoras como se conhece hoje. Estavam mais para grupos de amigos
que se reuniam em torno de um novo passatempo, no caso, ouvir emissões de
outras estações e também fazer suas próprias irradiações, o que podia ou não
ser frequente. Foi assim com a Rádio Sociedade Rio-grandense, a pioneira no Sul
do país. Uma noite na RSR, sigla a título de prefixo usada por seus
entusiastas, podia se resumir a um simples encontro para tratar do que os
sócios haviam ou não captado em seus enormes – e poderosos – aparelhos, por
exemplo, um trecho da ópera em apresentação no Teatro Colón, de Buenos Aires,
ou no Municipal, no Rio de Janeiro.
Glória das glórias, no entanto, eram as noitadas, mais para
sarau do que para programação de rádio, promovidas por estes pioneiros.
Começavam, por vezes, pela declamação de poesias, passavam por apresentações de
piano e de canto, podendo terminar com uma conferência científica. Tudo, é
claro, sem vinhetas, cortinas ou características, que são coisas de outros
tempos. Tudo, também, intercalado por longos silêncios entre uma apresentação e
outra. Tudo ao ritmo da época – lembram? – mais lento, menos apressado.
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