Porque Marconi aparece como o pai do rádio (e esta ideia é, no mínimo, equivocada)
2013
Luiz Artur Ferraretto
Guglielmo Marconi (1896)
Fonte: JACOT, B.L.; COLLIER, D.M.B. Marconi,
senhor do espaço. Rio de Janeiro: Vecchi, 1940. p. 112A.
Mesmo que se coloque de lado a confusão sobre o que a palavra
“rádio” significa hoje e o que significou até o início dos anos 1920,
constitui-se no mínimo em uma leviandade atribuir exclusivamente a Guglielmo
Marconi o desenvolvimento da tecnologia envolvida neste processo. Na virada do
século 19 para o 20, o italiano, além de criar tecnologia própria, vai
adquirindo os direitos sobre diversos inventos, aprimorando-os e integrando-os
a sistemas mais complexos e potentes. A aparelhagem das primeiras experiências
de Marconi, em 1895, na propriedade da família perto de Bolonha, já dá uma
ideia de suas atitudes e estratégias futuras. Inclui um oscilador semelhante ao
desenvolvido por Heinrich Hertz, mas aperfeiçoado por Augusto Righi,
pesquisador de quem o jovem Guglielmo fora uma espécie de discípulo. A antena
segue o modelo da utilizada pelo russo Alexander Stepanovich Popov. Além disso,
Marconi emprega coesores, como os do francês Edouard Branly, e demonstra
conhecimentos a respeito do trabalho do britânico Oliver Lodge. Não se tire, no
entanto, o mérito dele, que – com uma idade pouco superior a 20 anos – utiliza
esses equipamentos, em tentativas frequentes e obstinadas, até atingir um
quilômetro com suas irradiações.
No primeiro semestre de 1896, já em Londres, Marconi
apresenta o seu aparelho de radiotelegrafia às autoridades britânicas. Graças a
estas demonstrações, obtém, logo depois, a carta patente sobre a telegrafia sem
fio. No ano seguinte, transmite a uma distância de 14,5 quilômetros e, em
paralelo, constitui a Wireless Telegraph and Signal Company que, na virada do
século, converte-se na Marconi Wireless Telegraph Company. Rapidamente, à
medida que a tecnologia é aprimorada, o italiano vai criar novos
empreendimentos em outros países, buscando mais e mais mercados para os seus
produtos. Um exemplo desta obstinação nitidamente capitalista é o esforço de
Marconi para garantir a primazia nas comunicações navais. No mês de dezembro de
1901, buscando provar a validade de seus sistemas neste campo, consegue enviar
o primeiro sinal radiotelegráfico transoceânico: uma estação montada na Terra
Nova, no Canadá, recebe a letra “S” em código Morse transmitida de Poldhu, na
Grã-Bretanha.
Além da capacidade técnica e da habilidade empresarial, a
ideia errônea, mas bastante popular desde então, de que Marconi inventara, de modo
isolado, o rádio pode ser creditada a três fatos. Em 1909, o italiano recebe o
Prêmio Nobel da Física, representando o reconhecimento científico de seu
trabalho, até então talvez mais popular nas manchetes e nos títulos de jornais
do que no meio acadêmico. Um ano depois, graças à radiotelegrafia, a Scotland
Yard soluciona o chamado Caso Crippen. Na época, o público das grandes cidades
europeias e estadunidenses acompanha nas páginas dos jornais as tentativas da
polícia britânica para localizar e prender o médico Hawley Harvey Crippen, que
assassinara, em Londres, a esposa e fugira com a amante. Identificado pelo
comandante do navio em que viajava da Europa para o Canadá, seu paradeiro é
comunicado às autoridades graças aos equipamentos da Marconi Wireless Telegraph
Company instalados a bordo. A importância da radiotelegrafia cresce, assim, no
imaginário coletivo, apoiada na ideia amplamente divulgada, então, de “Captured
by wireless!”, forma como a imprensa destaca, em várias manchetes, o
desenlace do caso. Em 1912, são também os equipamentos da empresa de Marconi
que permitem o socorro às vítimas do naufrágio do Titanic, a luxuosa embarcação
pertencente à White Star Line. Em um discurso na Câmara dos Comuns, o chefe
geral dos correios britânicos, Herbert Samuel, chega a afirmar, tempos depois:
“Aqueles que foram salvos o foram através de um homem, o senhor Marconi e… sua
invenção maravilhosa”.
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