Os 85 anos do rádio no Rio Grande do Sul
2009
Luiz Artur Ferraretto
Está ali, publicado no dia 8 de setembro de 1924, na página 5 do jornal A Federação, órgão máximo do Partido Republicano Rio-grandense, para que ninguém discorde no futuro. É, 85 anos depois, um fato histórico. E, infelizmente, pouco lembrado. Mas, no papel amarelado pelo tempo com letras de tipografia, impressão apagada pelo descaso na preservação dos documentos e da história, está ali uma quase certidão de nascimento do rádio no Rio Grande do Sul. Sob a guarda do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. Na véspera, às nove horas da noite, informa o texto, “num dos salões da Vila Diamela, gentilmente cedido pelo senhor coronel Juan Ganzo Fernandez, a novel Rádio Sociedade Rio-grandense foi fundada por amadores residentes nesta capital”.
Em nome da pioneira associação de radiófilos, sem-filistas ou amantes da radiofonia, como se chamavam na época estes entusiastas do novo veículo de comunicação, o então diretor da Biblioteca Pública, o poeta Eduardo Guimaraens, seria o primeiro a falar em uma emissora de rádio no estado:
– Já não há, conquista da nossa época, distâncias invencíveis, e as antigas morosidades do tempo e do espaço foram abolidas. Estão hoje mais perto do que nunca os países longínquos e os seres mais afastados e desconhecidos; com o avião e o sem-fios parece ter conseguido, neste primeiro quarto de século, realizar grande parte da universal aspiração: apertar fortemente, para que se estreitem cada vez mais, os laços do amor e da fraternidade entre os homens. Ou a psicologia dos acontecimentos erra, ou caminhamos vertiginosamente para a Idade de Ouro da humanidade, que é a do trabalho sereno, dentro da ordem, da mútua confiança e da paz. É o belo futuro da nossa grande Pátria que entra, pode dizer-se, de chofre, no apogeu da civilização. Supunham alguns cérebros do século passado, e Keats entre eles, que o papel da ciência era o de aniquilar, destruir e desembelecer o que na terra havia de ideal, de imaginação e fantasia. Tudo prova hoje o contrário: a ciência moderna deu enfim asas ao sonho de Ícaro. O homem do nosso tempo transpôs, com elas, montanhas e oceanos; dá agora volta ao globo terráqueo. E mal diminuíra o assombro, servindo-se dessas outras asas imponderáveis – que são as ondas aéreas –, o homem pode fazer ouvir de país a país, de continente a continente, destas todas a mais comunicativa harmonia: a palavra. Já para o homem que fala não existem fronteiras, pois que o domínio das alturas não tem limites. Como nos tempos da infância dos povos, o mundo, pelo prestígio do gênio humano, volta a ser a Palestina dos milagres, e tudo que nos cerca tem qualquer coisas dos prodígios do antigo Oriente. Para coroar de um pouco de glória e de graça o fato desta inauguração, a Rádio Sociedade Rio-grandense fez um apelo à mais divina das artes: a música. E é a ela que cedem, contentes, as minhas ásperas palavras o seu honroso lugar!
E a música, não como hoje, de chofre, seguiria a alocução do poeta. No ritmo do seu tempo, como em um sarau das famílias abastadas, ganharia, um instantinho depois, os alto-falantes daquelas poucas caixas, enormes e algo desengonçadas, de propriedade de uns poucos ainda. Trechos conhecidos da ópera Lohengrin, de Richard Wagner; uma Polonaise, de Frédéric Chopin; obras de compositores mais recentes à época, como o russo Sergei Rachmaninoff; trabalhos de brasileiros – a Canção da Saudade, do poeta pernambucano Olegário Mariano –; as melodiosas Suspira, coração, suspira! e Morena, morena, do compositor carioca Luciano Gallet. Na execução, sucediam-se, cantando ou ao piano, integrantes do Conservatório de Música de Porto Alegre. Em um tom típico dos encontros sociais de então, a filha do anfitrião, Diamela Ganzo Fernandez, também participou da apresentação. Por último, Eduardo Guimaraens dirigiu-se, novamente, aos presentes e aos eventuais ouvintes. Quando a transmissão foi interrompida, os relógios marcavam 22h15. Distâncias invencíveis haviam caído e antigas morosidades do tempo e do espaço, sido abolidas.
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