O reconhecimento do trabalho de um gaúcho
2013
Luiz Artur Ferraretto

Roberto Landell de Moura (anos 1920)
Fonte: ALMEIDA, B. Hamilton. Padre Landell de Moura: um herói sem glória. Rio de Janeiro, 2006. p. 162A.

Neste ano de 2013, já se pode afirmar que ficaram no passado os tempos de não reconhecimento do padre brasileiro Roberto Landell de Moura, um dos pioneiros das comunicações por ondas eletromagnéticas, equivocadamente esquecido pela historiografia durante parte significativa  do século 20.  Esta constatação não se reveste de ufanismo exagerado, mas apenas reflete registros em obras nacionais e mesmo do exterior. Vamos a eles, aproveitando para contar um pouco do trabalho deste cientista nascido em Porto Alegre.

Na abertura do verbete Brazil da Encyclopedia of radio, do Museum of Broadcasting Communications dos Estados Unidos, editada por Christopher H. Sterling e lançada em 2004, Edward Anthony Riedinger afirma: “O Marconi do Brasil era um padre”. Na mesma obra, Robert Henry Lochte, em Early wireless, compara a trajetória do brasileiro à do servo-croata Nikola Tesla. A respeito de ambos, observa que “tiveram a oportunidade de desenvolver a comunicação sem fios por ondas eletromagnéticas antes do que Marconi, mas falharam em suas tentativas”. Lochte atribui o atraso nas pesquisas de Landell à oposição de lideranças eclesiásticas que viam, no transmissor desenvolvido pelo brasileiro, “o trabalho do demônio”. Ao obscurantismo religioso, credita a depredação de equipamentos e a destruição dos laboratórios do padre por um bando de fanáticos. Ressalta, no entanto, que Landell, mesmo com dificuldades em função de uma assessoria legal deficiente, de seu estado de saúde – que não era bom no início dos anos 1900 – e desconhecendo as particularidades do sistema de patentes dos Estados Unidos, nunca desistiu de ter o seu trabalho reconhecido. Graças a este esforço, em 1904, obteve o registro de três aparelhos junto ao Patent Office: “Já então, Marconi e outros controlavam o mercado”. A Encyclopedia of radio traz ainda o verbete Landell de Moura, father Roberto 1861-1928, de autoria também de Riedinger.

No Brasil, em setembro de 2012, o nome do padre passou a integrar o chamado Livro dos heróis da pátria, conforme lei aprovada pelo Congresso Nacional, neste caso, fruto de uma mobilização que remete a três autores responsáveis por manter viva a história do cientista gaúcho: Ernani Fornari, com O incrível padre Landell de Moura (1960); B. Hamilton Almeida, com vários livros, destacando-se Padre Landell de Moura: um herói sem glória (2006); e Ivan Dorneles Rodrigues, com Brasileiro, gaúcho, um gênio diferente: Landell de Moura (2004). O padre ganhou ainda da Empresa de Correios e Telegráfos um selo comemorativo aos 150 anos de seu nascimento.

Selo comemorativo aos 150 anos de Roberto Landell de Moura (2011)

Cabe, então, relembrar um pouco da história narrada por eles. Ernani Fornari registra, sem indicar fonte, que Landell do Moura teria realizado as primeiras experiências com transmissão e recepção da palavra falada entre 1893 e 1894, portanto, anteriores às de Guglielmo Marconi. Cauteloso, o jornalista Hamilton Almeida observa com relação ao exposto por Fornari: “Esta informação não pode ser confirmada e se choca com outros documentos que não merecem ficar à margem. Vale, portanto, como indicação.”. Mais confiável, deste modo, é a notícia citada por Fornari e publicada pelo Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, em 10 de junho de 1900, a respeito de experiências públicas ocorridas no dia 3 daquele mês:

No domingo próximo passado, no alto de Sant’Ana, cidade de São Paulo, o padre Roberto Landell fez uma experiência particular com vários aparelhos de sua invenção, no intuito de demonstrar algumas leis por ele descobertas no estudo da propagação do som, da luz e da eletricidade através do espaço, da terra e do elemento aquoso, as quais foram coroadas de brilhante êxito. 
Estes aparelhos, eminentemente práticos, são, como tantos corolários, deduzidos das leis supracitadas. 
Assistiram a esta prova, entre outras pessoas, o senhor P.C.P. Lupton, representante do governo britânico, e sua família.

O mesmo periódico, conforme Hamilton Almeida, publica no dia 16 de junho de 1900 uma carta em que Landell de Moura recorre ao governo britânico na tentativa de obter financiamento para suas pesquisas. O padre indica que, na demonstração do dia 3, cinco aparelhos haviam sido apresentados. Dois deles chamam a atenção por se destinarem, ao contrário dos demais, à transmissão sem fio da voz:

Com o anematofono, sem fio, obtêm-se todos os efeitos da telefonia comum, porém com muito mais nitidez e segurança, visto funcionar ainda mesmo com vento e mau tempo. É admirável este aparelho, pelas leis inteiramente novas que revela como, outrossim, o que se segue.
O teletiton, sorte de telegrafia fonética com o qual, sem fio, duas pessoas podem se comunicar, sem que sejam ouvidas por outra. Creio que com este meu sistema poder-se-á transmitir, a grandes distâncias e com muita economia, a energia elétrica, sem que seja preciso usar-se de fio ou cabo condutor.

Os dois aparelhos em questão remetem à radiotelefonia e à radiotelegrafia. Com equipamento semelhante, Landell de Moura obtém em 9 de março de 1901 a patente brasileira sob o número 3279.  No memorial descritivo encaminhado ao governo, consta: “O objeto da invenção é um aparelho que se presta à transmissão a distância com fio e sem fio condutor, tanto através do espaço e da terra, como do elemento aquoso”. No mesmo ano, o brasileiro viaja à Europa e, de lá, aos Estados Unidos, estabelecendo-se, por fim, em Nova Iorque na tentativa de registrar seus inventos. A respeito, relata Hamilton Almeida:

A luta, o esforço pessoal de superação de dificuldades consideráveis, foi, enfim, compensada no dia 11 de outubro de 1904, quando padre Landell recebeu a patente número 771.917, para o transmissor de ondas (wave transmitter). Em 22 de novembro de 1904, obteve as patentes números 775.337 para o telefone sem fio (wireless telephone), e 775.846 para o telégrafo sem fio (wireless telegraph). As patentes foram concedidas com a chancela “no model”, como era praxe na época.

Embora o processo de concessão das cartas patentes não incluísse a apresentação e o teste dos equipamentos, é graças à documentação relativa a elas que, nas últimas três décadas, tornou-se possível reconstituir – e, o mais importante, comprovar – o tipo de trabalho realizado por Landell de Moura. Em 1984, em um projeto coordenado pelo engenheiro Antonio Carlos Solano com o apoio dos técnicos José Clóvis Totel e Antônio Felipe Pepe, a Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec), instituição ligada ao governo do Rio Grande do Sul, construiu uma réplica do transmissor de ondas. Nas experiências com o equipamento, as irradiações foram captadas em uma larga faixa de frequência e em distâncias de até 50 metros. Na época de Landell, pode-se supor que o alcance tenha sido bem maior por não existirem, então, tantas fontes de interferência – automóveis, linhas elétricas de alta tensão, lâmpadas fluorescentes, equipamentos industriais etc. Algumas letras – “m”, “n”, “l”, “c”, “s”, “f”, “v” e “g” – não eram reproduzidas adequadamente; outras confundiam-se como no caso das consoantes “t”, “d”, “p”, “b” e “q” e no das vogais “a” e “e”. Outra réplica do mesmo equipamento foi construída, em Porto Alegre, por Marco Aurélio Cardoso Moura, com o apoio técnico de Rolf Stephan e Alexandre Stephan, da Industrial Eletro Mecânica Apex Ltda. O desempenho da réplica construída por Moura é semelhante ao verificado com a da Cientec. O som também é gutural e pouco nítido.


Trecho de reportagem da TV Assembleia (2006)
Fonte: TV ASSEMBLEIA. Reportagem de Dorian Filho a respeito do padre Landell de Moura. Porto Alegre, 2006. Programa de televisão.

Os indícios existentes apontam, portanto, para o relativo sucesso de Landell de Moura na transmissão e recepção de voz, mesmo que a qualidade não permitisse a imediata aplicação prática dos aparelhos criados pelo brasileiro. O aprimoramento destes em território nacional dependeria de aporte significativo de recursos a partir de uma consciência a respeito da importância estratégica de tal tecnologia. Consciência, infelizmente, inexistente no Brasil de então.

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