A fundação da Rádio Gaúcha em fevereiro de 1927
2006
Luiz Artur Ferraretto
Em 1927, a quantidade de sem-filistas, como eram chamados
então os que tinham no rádio um hobby, só diminuía em Porto Alegre.
A primeira experiência em termos de emissora – a Rádio Sociedade Rio-grandense
– não dera certo. O número de amadores da radiotelefonia, outra expressão
utilizada, caíra de 300, à época da RSR, para uns 100, dispersos sem uma
entidade a aglutiná-los. Segundo o redator da seção Radiotelefonia do Diário
de Notícias, em sua coluna de 6 de outubro daquele ano, a situação só não
era pior porque neste período surgira a estação SQAG da Rádio Educadora
Paulista, mantendo com suas transmissões o interesse destes ouvintes pioneiros
de Porto Alegre:
Depois do desaparecimento da Rádio Sociedade Rio-grandense, cuja efêmera existência só serviu para entibiar os adeptos da radiotelefonia no nosso estado e, mais profundamente, em Porto Alegre, este tão útil e instrutivo passatempo caiu num verdadeiro ostracismo e nesta situação passou, força é confessar, para o rol das coisas ridículas.
Em contraste com a nossa situação, Buenos Aires cada vez melhorava mais as suas broadcastings e aumentava o número delas.
São Paulo e Buenos Aires concorreram involuntariamente para o ressurgimento da radiotelefonia em Porto Alegre e isso se deu quase dois anos depois da dissolução da Rádio Sociedade Rio-grandense.
De fato, a escuta das emissões do centro do país e da região
do rio da Prata mantinha mobilizados alguns entusiastas liderados por Olavo
Ferrão, Carlos Freitas e Victor Louzada. Este grupo começa a se articular para
que a capital do Rio Grande do Sul volte a ter uma estação transmissora. Em uma
espécie de manifesto-convocação, intitulado Por que não possuirá Porto Alegre
a sua estação de radiodifusão? e publicado no Correio do Povo em
duas partes, nos dias 29 de janeiro e 8 de fevereiro de 1927, eles tentam
reverter as expectativas pessimistas geradas pelo insucesso da Rádio Sociedade
Rio-grandense e a inconstância das transmissões da Sociedade Rádio Pelotense,
que, desde 1925, fazia irradiações eventuais em Pelotas, na Zona Sul do estado.
Mais do que isto, procuram provar que Porto Alegre possuía então amplas
condições para manter a programação de uma emissora. Na parte informativa,
jornais como Correio do Povo, Diário de Notícias e A
Federação já tinham manifestado “o oferecimento de fazerem transmitir
pelo rádio as suas mais palpitantes notícias”, ao que seriam acrescentadas a
hora oficial e a previsão do tempo. Para as emissões artísticas, o
Conservatório de Música e a Banda Municipal forneceriam “elementos capazes de
fazerem honra a qualquer cidade”. Contariam ainda com a participação de
professores particulares e de seus alunos, sem falar das diversas orquestras
das casas de diversão da cidade. Segundo a mesma fonte, o custo de uma estação
transmissora variava de 10:500$000 (10 mil e quinhentos mil-réis) a 120:000$000
(120 contos de réis). Mesmo que os valores fossem consideravelmente altos na
época, o autor do artigo acreditava que os amadores da radiotelefonia tinham
condições de juntar os recursos necessários para a compra de uma estação de 50
W de potência, com alcance médio de 70 km.
Na mesma época da publicação deste manifesto-convocação,
ocorrem duas reuniões na casa de Carlos Ribeiro de Freitas, na rua da
República, número 46. Na noite de sexta-feira, 5 de fevereiro, fica decidida a
criação de uma nova associação transmissora, cuja denominação é sugerida por
Ivo Barbedo em outro encontro no dia 9. Na mesma data, os entusiastas da radiodifusão
escolhem o comitê organizador, responsável pela estruturação da entidade até a
eleição da sua primeira diretoria e integrado por Alcides Cunha, Carlos
Freitas, Leovegildo Velloso, Gabriel Fagundes Portella, Ivo Barbedo, Olavo
Ferrão Teixeira e José Baptista Pereira. Funda-se, assim, a Rádio Sociedade
Gaúcha. Nos dias seguintes, uma lista de adesões permanece à disposição dos
interessados na casa comercial de Raul Lagomarsino. Quem assina passa a ser
considerado sócio-fundador.
Em meados de outubro, quase um mês antes da inauguração
oficial da estação, o redator da seção Radiotelefonia, eufórico,
anunciava a conclusão das obras realizadas em um quarto do último andar do
Grande Hotel, bem no centro da capital:
Enfim! Antena, contra-antena, estúdio, gerador e transmissor. Tudo pronto! Instalada a broadcasting rio-grandense!
Oscilou! Sintonizou! Falta somente a última etapa, a modulação.
[...] A quase 20 metros acima do terraço do edifício do Grande Hotel, como um monumento grandioso de progresso e civilização, ostenta-se garbosa, desafiando a altura dos arranha-céus da cidade, em forma de charuto, a antena da Rádio Sociedade Gaúcha.
[...] Trinta e dois segundos de elevador do piso térreo ao sexto andar do Grande Hotel [...]. Alguns passos à esquerda, em compartimento especial, o transmissor; fora, sobre o piso de cimento do terraço, em lugar adequado, o gerador ao abrigo das intempéries. Voltamos ao corredor da entrada do sexto andar e entramos numa ampla sala que tem ao fundo uma câmara exótica, feita de pano escuro. Exterior e interiormente, lembra-nos quiçá as cavernas terríficas das bruxas e do demônio.
Nada disso. É o estúdio!
Cinquenta anos depois, Alfredo Pirajá Weiss, um dos
primeiros speakers da emissora, descreveria o estúdio como uma
sala singela, em que uma mesa para o locutor dividia o espaço com uma outra
sobre a qual ficava uma vitrola, funcionando a manivela, com uma grande corneta
como alto-falante. Um pouco antes, em setembro, já haviam começado as
transmissões experimentais, preparando a inauguração festiva em 19 de novembro
de 1927. Isto, no entanto, já é outra história, mas fica, nestes primeiros
passos aqui descritos, o contraste com a emissora em que a Gaúcha viria a se
transformar no futuro: da singeleza inicial a uma das principais rádios do
país, levando seu sinal ao satélite em uma rede regional ou pela internet na
rede mundial de computadores.
Kilegal
ResponderExcluirMuito obrigado.
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