Ipanema FM: uma rádio diferente
2006
Luiz Artur Ferraretto
Estúdio da Ipanema FM (anos 1980)
Ao fundo, Mary Mezzari e Mauro Borba, com Nilton
Fernando em primeiro plano.
Fonte: BORBA, Mauro. Prezados
ouvintes. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1996. p. 101.
Tarde de domingo, sol forte sobre o Parque Marinha de Brasil,
em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, dezembro de 1985. Show de final de ano da
Rede Brasil Sul de Comunicação. Pelo palco, desfilam as promessas e as certezas
da MPG, sigla que serve de nome ao programa especial de final de ano a ser
apresentado às 12h, dia de Natal, na RBS TV. O que a edição dos competentes produtores
da principal empresa de comunicação do Sul do país não vai mostrar é,
justamente, o apoio a uma emissora que começa a se firmar como uma alternativa
em meio ao mercado extremamente comercial de frequência modulada em fase de
consolidação no Rio Grande do Sul. Eu estava lá e sei disto. Éramos um, dois,
três, de repente uma dezena ou uma centena. Embora os alto-falantes insistissem
com slogans da Atlântida FM, carro-chefe da RBS, gritávamos – sóbrios ou
bêbados, em nossos 16 ou 17 anos – como a desafiar o principal complexo de
mídia do estado, como a desafiar os esquemas das poderosas gravadoras
multinacionais ou não:
– I-PA-NE-MA! I-PA-NE-MA! I-PA-NE-MA! I-PA-NE-MA!
I-PA-NE-MA!!!
Pelo menos, foi assim até o show começar. Depois, era mesmo
hora de ouvir. E a maioria dos novos nomes da música urbana e contemporânea,
roqueira ou não, tocava mais na Ipanema FM, da Rede Bandeirantes, não na
Atlântida, que tentava correr atrás e já incluía alguns dos novos nomes do rock
gaúcho e brasileiro.
Ideia do radialista Nilton Fernando Pereira, a Ipanema
começou a operar cinco anos antes, com outro nome, outro prefixo e uma
programação diferente de tudo que se conhecia no rádio musical jovem à época em
Porto Alegre. Nos 99,3 MHz da Bandeirantes FM, com seus estúdios na avenida
José Bonifácio, era a primeira incursão do grupo paulista controlado pela
família Saad no mercado do Rio Grande do Sul. A localização do sobrado, em
frente à Redenção – forma como o porto-alegrense chama o Parque Farroupilha –,
vai facilitar, como recorda Mauro Borba, seu segundo comunicador, a inserção da
nova rádio no cenário cultural de Porto Alegre:
– Começamos a rodar as fitas das bandas e dos artistas de
Porto Alegre na programação e essa foi a primeira marca registrada da
Bandeirantes. A rádio começava a ser um ponto de referência para a cultura
porto-alegrense. No teatro, o grupo Vende-se Sonhos encenava School’s out. Sessões especiais no Clube
de Cultura apresentavam o filme Deu pra
ti anos 70. Dois bares inauguravam no Bom Fim. O Escaler e o Ocidente.
Assim começava a década de 1980. Tudo isso passava pela Bandeirantes FM, que
estava ali, no centro do bairro, onde as coisas aconteciam, e, apesar do nome
paulista, era a rádio mais porto-alegrense da cidade.
Prédio da Rádio Bandeirantes FM (início dos anos 1980)
Da esquerda para a direita, Wlamir Costa, responsável
pela área comercial; Mauro Borba; Beth Portugal, redatora e locutora dos toques
informativos; as secretárias da rádio; e Nilton Fernando Pereira, na bicicleta
dos Correios e Telégrafos.
Fonte: BORBA, Mauro. Prezados
ouvintes. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1996. p. 99.
A rádio mais porto-alegrense da cidade tem, portanto, muito
do trabalho de Nilton Fernando Pereira, gaúcho com passagem pela Bandeirantes
FM, de São Paulo, “rádio estilo poncho e conga, meio bicho grilo”, como ele
define a emissora, que influencia na montagem da estação do grupo paulista no
Rio Grande do Sul. Ainda na fase de planejamento, sob diretriz semelhante, Nilton
estrutura uma comunicação conversada, sem atropelos, dando tempo ao ouvinte
para pensar no que está sendo dito. Junto com músicas de diversos estilos e
ritmos, mas agrupadas, quase sempre, em blocos de três e guardando alguma
identidade entre cada uma delas, a fala quase intimista confere, na gíria já um
pouco defasada para a primeira metade da década, um ar meio bicho-grilo à
emissora, que se integra à cena cultural mais alternativa de Porto Alegre. Na
época, Nilton define assim o público pretendido, aquele que, logo em seguida,
não parava de gritar “Ipanema, Ipanema, Ipanema!”:
–
São jovens universitários que estão dispostos a ouvir rock, jazz, samba,
chorinho, latinidades e até música local. Se o Ministério das Comunicações
estabelece uma porcentagem mínima de 60% para a programação de música
brasileira, a FM Bandeirantes vai de 75%, sendo que 25% são músicas locais
(urbanas e folclóricas). Os programas específicos são fundamentados na
informação cultural (cinema, teatro, história do rock, tradição gaúcha, esporte).
Os apresentadores (alguns) têm nome. A notícia é comunicada pelos próprios
redatores, o que lhes dá propriedade sobre o que leem, muito embora não tenham
qualquer preparo para isso.
De início, a apresentação é toda gravada pelo próprio Nilton
Fernando, com Mauro Borba fazendo a programação musical e, em seguida,
apresentando o programa Noite Alta,
nas quartas e sábados, às 20h, onde são presenças frequentes cantores e
compositores da cidade – Bebeto Alves, Nelson Coelho de Castro, Nei Lisboa...
–, além de grupos como Cheiro de Vida, Quintal de Clorofila e Raiz de Pedra.
Nas canções e nas entrevistas que vão sendo veiculadas, o ouvinte toma contato
com a nova música urbana do Rio Grande do Sul. E o velho sobrado da José
Bonifácio torna-se, assim, um ponto de referência cultural para um tipo de
sonoridade ausente nas outras estações.
Em 1983, os tempos quase lúdicos da José Bonifácio vão dar
lugar, no entanto, às imposições do mercado. A rádio transfere-se para as
instalações do morro Santo Antônio, onde funcionam as emissoras
recém-adquiridas à Ordem dos Capuchinhos. Mesmo com uma programação de
prestígio, a Bandeirantes FM apresenta um faturamento abaixo do esperado pelo
grupo paulista, que, já controlando a Difusora AM e a FM, decide alterar a
configuração das suas operações em Porto Alegre.
Em uma reunião na capital gaúcha, Johnny Saad, um dos
executivos da empresa, determina a transferência do conteúdo menos comercial
dos 99,3 MHz para os 94,9 MHz, então ocupados pela Difusora, especializada em
música brasileira. Nos planos da rede, a nova Bandeirantes FM, com melhores
equipamentos e mais potência, ganharia competitividade em um processo reforçado
por uma programação voltada a um público abrangente. Nilton Fernando sugere
rebatizar a antiga Difusora FM como Quintana FM, em homenagem ao poeta Mário
Quintana, na convicção de que, desde 1980, a estação havia conseguido forjar um
forte laço com a cidade. A direção do grupo, no entanto, impõe o nome Ipanema,
da praia da Zona Sul de Porto Alegre, para aproveitar a semelhança de
sonoridade com a Itapema FM, de forte presença na mídia por estar sendo lançada
pela RBS quase na mesma época. A denominação é rejeitada pelos próprios
comunicadores da rádio que, de início, evitam identificar a emissora no ar.
Com o tempo, a Ipanema FM firma-se como uma estação de
faturamento médio, mas de público extremamente fiel. Exemplos desta fidelidade
são – você já sabe! – os shows de bandas nacionais, no auge do rock brasileiro
dos anos 1980, organizados pelas rádios concorrentes. E vale um exemplo sempre
lembrado por Mauro Borba. O ano é o mesmo: 1985. Com a estação do grupo
paulista em terceiro lugar na audiência geral de Porto Alegre, a Atlântida FM
promove uma apresentação do Paralamas do Sucesso no Gigantinho, o ginásio do Sport
Club Internacional. Para surpresa dos organizadores, o vocalista da banda,
Herbert Vianna, agradece à Ipanema por ter tocado as músicas do grupo pela
primeira vez no Rio Grande do Sul e é aplaudido pelo público. Pelo visto, quem
gritava “Ipanema, Ipanema, Ipanema!” não estava mesmo mal acompanhado.
Nilton Fernando Silveira Pereira
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 28 de outubro de 1999.
Eu nunca fui muito ligado na Ipanema, mas vi muita gente apaixonada pela rádio. Era puro amor, pura admiração, era "vício, desde o início". Era uma tribo. Quando disse nunca, senti vontade de esclarecer, a emissora tinha tanta vida própria que, mesmo eu, tinha muito o que aproveitar da programação. Muitas vezes me encontrei ali, em suas músicas, literatura e papo diversificado. O Nilton, recentemente esteve na Pampa, onde sabia fazer perguntas sobre saúde, e onde comandou um belo programa diário, de manhã. Além do vozeirão, grande entrevistador. Obrigado pelo belo texto.
ResponderExcluirCleomar, o Nilton é um dos grandes profissionais sem dúvida do Rio Grande do Sul.
ResponderExcluirA Ipanema transpirava Porto Alegre ( e a inspirava, também ).
ExcluirBoa definição.
ResponderExcluirA rádio dos loucos ipaNema😃. Lembro da Cátia suma isso perdão se errei o nome foi a revolução do rádio do rock surf na veia.🎸🎶🎶🎶🎶
ResponderExcluirEra a minha emissora de cabeceira. Muito escutei na década de 80 e início dos anos 90. Faz muita falta. Não tem rádio similar hoje em dia.
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