Sérgio Zambiasi, do rádio povão ao Senado Federal
2010
Luiz Artur Ferraretto
Sérgio Zambiasi e ouvintes do Comando Maior na Farroupilha (1986)
Fonte: MELLO, Maria Inês. O fenômeno Zambiasi: o
comunicador das massas. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1987. p. 42.
Em uma manhã de sábado no primeiro semestre de 1990, o sol
forte, quase a pino às 11h30, contrasta, neste final de verão, com o ar bem
mais frio do início do dia, lá pelas 6 ou 7h, quando uma fila considerável já
aguardava em frente ao prédio de dois andares, número 919 da avenida João
Pessoa. Ali, quem chega dá de cara, logo à esquerda, com uma mulher gorda,
daquelas negras de pele bem marrom a contrastar com a dentadura alva, às vezes
mostrada em uma forte gargalhada, às vezes escondida pelos lábios marcantes. É
uma ex-prostituta, ex-traficante, ex-presidiária, apelidada Nega Diaba, logo
também a primeira afro-brasileira a ocupar um mandato na Câmara de Vereadores
de Porto Alegre. Ainda sem saber nada de sessões, quóruns ou jetons, Tereza
Franco, com uma simpatia contagiante, distribui fichas, 400 nas segundas,
terças, quartas, quintas e sextas-feiras de grande movimento, mas que, hoje,
não chegam à metade. Pelo corredor, abafado e mal-cuidado, as pessoas
acomodam-se como podem, aguardando o acesso ao estúdio da Rádio Farroupilha,
onde o comunicador Sérgio Zambiasi escuta e põe no ar as mazelas cotidianas
destes moradores de favelas e de bairros periféricos. Não de todos: a grande
maioria já foi atendida por seus colaboradores, uma equipe que, além da
produção do programa Comando Maior,
inclui advogados e alguns outros auxiliares voluntários. Ao microfone, somente
os casos mais graves, desesperadores e – óbvio – interessantes, porque a rádio,
afinal, vive de audiência. A um canto do estúdio, uma estatueta barata do
Menino Jesus de Praga parece abençoar o radialista de sotaque característico,
uma mistura, como o próprio Zambiasi explica, de dialetos italianos – vêneto e
trentino – com algo de um alemão mais gutural. A devoção religiosa, sugerida
por uma ouvinte, é reforçada por um acidente de carro na freeway, a estrada que liga a capital ao litoral norte. Ele jura
ter sido salvo por uma outra imagem, bem menor, colocada sobre o painel do
Corcel II, carro aliás que o apresentador nega, mas fez parte do pacote
envolvendo a sua contratação pela emissora.
Àquela gente pobre, de olhares amargurados, pele marcada por
rugas e roupas simples, não chama muito a atenção a presença de um ministro da
Saúde na Farroupilha. De passagem pela capital gaúcha, como único compromisso
em veículos de comunicação, Alceni Guerra visita, para o espanto de alguns
jornalistas, o estúdio acanhado, onde sobre a mesa, próxima ao telefone, há uma
Bíblia, quase sempre aberta nos
Salmos, uma das fixações de Zambiasi. O ministro, com a mesma intimidade dos
ouvintes, prefere chamar o radialista de Sérgio e agradece, de público, o
trabalho assistencial do comunicador. De fato, agradece o apoio do deputado
estadual mais votado da história do Rio Grande do Sul ao presidente Fernando
Collor de Mello na eleição de 17 de dezembro de 1989. Lá fora, no corredor,
indiferentes aos políticos, algumas pessoas, câmera fotográfica Kodak
Instamatic à mão, aguardam a oportunidade de registrar um momento junto ao
ídolo, que não é senhor ou Zambiasi. É quanto muito seu Sérgio ou apenas Sérgio
mesmo.
Esta cena assisti como repórter da Rádio Gaúcha, em meio a
um numeroso grupo de jornalistas. A pauta, de certo modo, pagava também tributo
ao responsável pelo sucesso comercial do segmento popular dentro do Grupo RBS.
Pouco menos de sete anos antes, a Farroupilha, que recém havia passado ao
controle dos Sirotsky, havia estacionado em sexto lugar na audiência. A rádio
que crescia – ameaçando, inclusive, a líder Caiçara – era a Difusora, que, de
janeiro a junho, pulara da nona para a segunda posição, graças, justamente, à
presença de Sérgio Zambiasi.
Na rádio da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, a fórmula
do radialista inclui levar o ouvinte para dentro do estúdio, escutando seus
problemas em meio a músicas sertanejas e românticas, além de um farto
noticiário policial. Fora isto, sempre que possível, apelando à solidariedade,
com citações bíblicas de uma religiosidade senso comum, o comunicador faz
campanhas para arrecadar cadeiras de rodas, aparelhos ortopédicos, inaladores,
remédios... A cada intervenção, Sérgio Zambiasi simula um contato interpessoal
com outros participantes do programa e mesmo com os ouvintes. De um lado, ao
microfone, está o descendente de italianos, natural de Encantado, no Vale do
Taquari, região colonizada por imigrantes. De outro, os ouvintes espalhados
pelas áreas pobres da Região Metropolitana de Porto Alegre que são, como ele,
procedentes de zonas de economia predominantemente agropecuária, os
protagonistas do êxodo rural. Como oriundi,
Zambiasi, voz sem impostações, trai o sotaque facilmente identificável, além de
utilizar o jargão gauchesco – “Bah!”, “Barbaridade!”, “Não é mesmo, tchê?”...
–, parecendo repetir a cada sílaba: “Eu sou como vocês”.
É ele que estreia no dia 29 de junho de 1983 na Farroupilha.
Apenas 13 dias depois, a emissora já lidera a audiência geral na Região
Metropolitana, posição que mantém com tranquilidade nas décadas seguintes. Ao
longo dos próximos 22 anos, a construção da marca da rádio no segmento popular
será tão forte que, mesmo a saída de Zambiasi, já então senador, em nada afetará
esta liderança da Farroupilha.
Abertura do
programa Comando Maior (8 de maio de
2002)
Fonte: RÁDIO FARROUPILHA AM. Comando Maior. Porto Alegre, 8 maio 2002. Programa de rádio.
Trecho do programa Comando
Maior (10 de junho de 1991)
Fonte: RÁDIO FARROUPILHA AM. Comando Maior. Porto Alegre, 10 jun. 1991. Programa de rádio.
O radialista mais povão que conheço, um cara do bem.
ResponderExcluirÍcone do rádio popular.
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirE pensar que desde 2021 a rádio de um milhão de amigos deixou um milhão de órfãos
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