Paulo Josué e a Rádio Caiçara
2007
Luiz Artur Ferraretto
Festa da Rádio Caiçara (anos 1980)
No largo Glênio Peres, o comunicador Paulo Josué
entrega a chave de um automóvel a um ouvinte premiado em uma promoção da
emissora.
Fonte: Acervo particular de Paulo Josué Rocha do Canto.
Nos anos 1980, o comunicador Paulo Josué era quase um
sinônimo da Caiçara, de Porto Alegre, a principal emissora popular da Rede
Pampa de Comunicação, de Otávio Gadret. De fato, a emissora – brega para
alguns, popular para outros, povão, com certeza, para todos – era também
sinônimo deste radialista e de sua atuação ao microfone. Não que fosse o único
a se destacar na rádio, que, em termos de audiência, vai perder espaço para
Sérgio Zambiasi e o seu Comando Maior,
na Rádio Farroupilha. Os estilos eram diferentes. Embora com boa dose de
assistencialismo e noticiário policial, a fórmula da Caiçara apelava mais para
a diversão e uma espécie de companheirismo, para usar uma palavra de hoje,
virtual.
No de tudo em pouco do rádio povão, a Caiçara ia da oração
bem ecumênica para não excluir ninguém a uma mensagem para as mães, passando
por informações sobre carros roubados, assaltos, uma e outra anedota, alguma
adivinhação e música, música tão cuidadosamente escolhida que, durante um bom
tempo, era programada pelo próprio Gadret. No meio de tudo, ainda, havia a
participação do ouvinte.
Nos mais diversos horários, ao longo dos anos, em idas e
vindas de e para a Caiçara, Paulo Josué acredita ter mantido um estilo bem
definido, mas eclético:
– Eu acho que faço as pessoas se emocionarem, rirem. “Posso
contar uma piada?” – e aí eu conto uma piada, que na verdade não pode vir
solta. Eu sempre tive coisas muito minhas, como o Recado de Amor, aí eu abro uma pasta e está cheia de recadinhos,
tipo “Me ame quando eu menos mereça que é quando eu mais preciso”. A pessoa que
ouve rádio, o rádio supre aquela carência afetiva, aquela solidão que é
inerente à cidade grande. Eu passo seis horas por dia com a mulher, com a
dona-de-casa. Eu tenho muito mais afinidade com ela do que o marido dela, porque
eu falo tudo o que ela quer ouvir, falo de perto as coisas pra ela, falo dos
meus filhos, falo da minha mãe. Depois, chego e faço a oração das mães... O
rádio é muito pessoal.
Então, há que relembrar com o próprio alguns momentos do
rádio povão. Por exemplo, o apelo à religiosidade do público:
– Entrava uma música... Tudo com trilha, porque tem que ter
aquela roupagem. “Vamos chamar a mãe pra perto do rádio... Minha amiga que
amanheceu triste hoje... O marido saiu de novo pra buscar um emprego, saiu a
pé... O filho que tá na rua, onde tá teu filho agora, mãe? Quem é o amigo do
teu filho? Aquela que brigou com a nora, a mãe que tá longe dos netos, porque
por alguma razão a filha foi embora e seu genro tá de mal com ela, a mãe que
dormiu mal esta noite, a mãe que tá com saudade, a mãe que tá com aquele aperto
no peito, que tem chorado... Chega pra perto do rádio. Vamos nos reunir em
oração buscando a intercessão da Virgem Maria, mãe de Jesus, que sofreu tanto
por ver seu filho morto na cruz... Mãe, reza comigo, mãe.” E aí entra a Ave
Maria de Gounod, uma versão mais moderna, eu rezo uma Ave Maria, bem lida, e
aí, quando digo “amém”, entra aquele tum... tum... tum..., já a metade da
música, aquilo é um lastro para que as pessoas fiquem absorvendo tudo o que foi
dito.
Outra característica é a de tratar o ouvinte como uma pessoa
próxima, um indivíduo em meio à massa:
– Eu tenho uma agenda grande de rádio com os aniversários.
Aquilo é uma maneira de prender as pessoas. Amanhã, eu vou falar do aniversário
da fulana, da beltrana, todo dia é aquilo de “parabéns a você”, “um abraço pra
você que está de aniversário hoje, felicidades, um abraço pra...”, e aí abria a
agenda ali. Cada ouvinte que morria, quando eu era participado botava uma
cruzinha. “Olha, eu quero mandar um beijo pra família do meu amigo Ayrton hoje,
se ele fosse vivo hoje estaria de aniversário”. O pessoal ficava pensando, o
cara lembrou da morte do meu pai, aquilo tocava profundamente as pessoas.
E aí vale também a criatividade do comunicador:
– Tinha A Hora do
Espanto. Eram coisas que eu escrevia, que eram versinhos, onde parecia que
ia resultar num poema, e não era poema, era pra rir, porque uma poesia solta no
meio do programa não cabia, mas isso aqui era gandaia. “Descrição sempre
ajudou/ nenhum de nós isto nega./ A mulher quanto mais quieta/ mais rende na
hora do pega.” ou “Maldito do falatório/ contra a mulher que separa./ Desistiu
de ser babaca,/ cansou de levar na cara./ No entanto o preconceito contra ela
já ataca:/ o marido é o coitadinho/ e a infeliz é a jararaca”. A mulher que
separa, tchê, é uma pessoa carente, pessoa carente ouve rádio o tempo inteiro.
Aquilo ali bate forte no coração delas!
Paulo Josué ainda viveria um momento único na Caiçara. Foi no
dia 15 de março de 1989, marcado pelas centrais de trabalhadores como Dia
Nacional de Greve. Na véspera, em uma Assembleia no Sindicato dos Radialistas,
ele, como delegado e representante de seus colegas, faria um breve discurso,
fazendo referência ao slogan da emissora:
– Amanhã, tenham a certeza, a Rádio Caiçara, onde a música
não para, vai parar...
Como consequência, a emissora, em um dos exemplos de maior
mobilização da categoria, chega a ficar fora do ar por algumas horas no dia
seguinte, fato raro na história das relações trabalhistas no rádio.
Todas estas são pequenas amostras de um rádio que, mais do
que o feito em qualquer outro segmento, questões estéticas e de gosto à parte,
tende a ser esquecido, exceto, é claro, pela imensa massa de seus ouvintes.
Rádio para o qual, com frequência, a universidade torce o nariz, mas esquece
que, nele, estão várias pistas para compreender a grandeza e a miséria deste
povo brasileiro. Dele, os registros são mínimos, gravações não há, mas o
radinho segue ali, ao lado de muitas donas-de-casa, de empregadas domésticas,
de trabalhadores, como um conforto, se você for otimista, ou como uma
alienação, se cair no pessimismo. Mas, afinal, qual rádio não é assim,
oscilando do lazer contagiante à dura realidade?
Paulo Josué Rocha do Canto
Entrevista realizada por Luiz Artur Ferraretto em 19 de maio de 2003.
Paulo Josué e a oração das mães (2 de junho de 2011)
Fonte: RÁDIO CAIÇARA AM. Programa
Paulo Josué. Porto Alegre, 2 jun. 2011.
Programa de rádio.
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