O disco-voador da
Ipanema FM
2017
Luiz Artur Ferraretto
Um disco-voador paira
sobre a cidade na imaginação dos ouvintes da Ipanema FM
O poder de sugestão do
rádio é algo quase tão antigo como o próprio meio. Pelo menos, pode-se dizer
que se tornou notório desde que, aterrorizando os Estados Unidos com uma
suposta invasão marciana, Orson Welles radiofonizou A guerra dos mundos, de H.G. Wells, na CBS, em 30 de outubro de
1938. Em uma madrugada quase cinco décadas mais tarde, no ano de 1987, muitos
porto-alegrenses juram ter visto um disco-voador para os lados de alguns morros
da capital gaúcha. Uma ligação de um ouvinte para a Ipanema FM iria excitar a
imaginação da cidade. Esta história, no entanto, é melhor contada pelo
jornalista e radialista Isaías Porto, comunicador da emissora naquela madrugada
e que, na época, também exercia a chefia de reportagem na Gaúcha:
Eu sempre participava da loucura geral que se estabelecia nas madrugadas da Ipanema. Era
bem isso! Mas quem está no rádio, no ar, sozinho num estúdio, tem sempre aquela
desconfiança... Será que tem mesmo
alguém me ouvindo? Quantos serão? A gente fala para o nada, principalmente na
madrugada, pois, na emissora, tem apenas o guarda lá na portaria. E isso se torna mais grave
numa noite de domingo para segunda-feira, quando todo mundo está mais
interessado em se preparar para o reinicio das atividades no outro dia pela
manhã. Assim, cheguei na rádio à meia noite de um domingo, entrei no ar e
coloquei uma música. Como sempre, o telefone tocava muito, embora nestes dias
diminuísse um pouco. Num dos telefonemas, um cara afirmava estar vendo umas luzes se movendo
no céu, lá pelos lados do Morro do IPA. Gostei daquela piração, dei uma
conferida na janela da rádio de onde se podia observar a região referida e, de
certa forma, também me pareceu existir uma estranha luz se movendo por lá. Não
tive dúvidas. Como naquela época estávamos vivendo o Plano Cruzado, do falecido
ministro Dilson Funaro, voltei ao ar, abri o microfone e lasquei: “Um ouvinte me ligou
há pouco dizendo que existe uma luz se movendo no céu, lá pelos lados do Morro
do IPA. Bem que poderia ser um disco voador, que veio de outro planeta nos
fazer uma visita e revelar como é que se resolvem as questões econômicas por lá. Será
que eles têm Plano Cruzado e estas coisas? Pô, disco voador, vem aqui na rádio me explicar
isso! Nós temos um espaço bem grande para estacionar aqui ao lado do prédio da
Rede Bandeirantes. Inclusive tem um instrumento bem parecido com um disco
voador [a antena parabólica utilizada para captar
o sinal da TV e das rádios da rede]”.
Coloquei outra música e continuei atendendo
aos
telefonemas, que começaram a se multiplicar de maneira fantástica. Era gente
que estava vendo também as tais luzes se movendo, uns estavam de lunetas,
binóculos e sei lá o que mais. Era ouvinte das cidades da Grande Porto Alegre
dizendo a mesma coisa, todos extremamente excitados com a história.
De novo entrei no ar, satisfeito com a onda
formada. “Pessoal, tem mais gente vendo. Que legal! Reforço o convite para o
disco voador vir aqui nos visitar. Que tal uma entrevista com o extraterrestre?”.Os telefonemas
continuaram e a brincadeira foi aumentando, envolvendo muita gente na cidade.
Aí, eu
comecei a levar medo, porque me dei conta do rolo que poderia estar sendo
armado. Imagina só, um maluco numa rádio com a melhor audiência do horário, na
madrugada, dizendo que tinha um disco-voador sobrevoando a cidade. Some-se a isso a
maluquice geral das pessoas – especialmente dos ouvintes daquele horário – e pronto! Estava feita
uma grande e séria confusão.
Passei a tentar contornar a situação. Mas
já era tarde. Os bares ligavam dizendo que todos os frequentadores estavam ouvindo,
que o lance estava legal
etc. Os jornais começaram a ligar – a maioria dos
plantonistas também ouviam a rádio e eram meus amigos. Queriam detalhes porque
as chefias já estavam sabendo da história, que parecia ser séria, uma vez que um cara
de uma rádio estava anunciando. Ai, meu Deus! O que eu estou fazendo, comecei a
me perguntar. Teve até jornal que insistiu em mandar repórter e fotografo para
o Morro da Polícia na tentativa de registrar a passagem do disco-voador. O que fazer,
então? A função continuava aumentando e o pessoal, empolgado, telefonava
indicando luz no céu em diversos pontos da cidade.
Temendo a repercussão
do que havia começado como uma brincadeira ingênua, Isaías Porto começou a
pensar em colocar um especialista em astronomia para dar uma explicação
plausível para aquilo tudo. Afinal, muita gente dizia ver mesmo as tais luzes.
O horário, no entanto, impedia a localização de uma fonte deste tipo. Lá pelas
tantas, o comunicador foi salvo por um ouvinte exatamente desta área. O sujeito
explicou então que se tratava de alguma ilusão de ótica envolvendo um balão ou
uma estrela. Porto respirou aliviado:
Gravei
a explicação, coloquei no ar, encerrei o meu horário enfatizando que não existia disco
voador nenhum e fui para casa, tentar dormir. É claro que não consegui pregar o
olho. E até hoje costumo não ficar olhando muito para o céu à noite
com receio de ver um disco voador mesmo e não acreditar, pensando
tratar-se de uma piração qualquer.
A Ipanema FM era mesmo
uma rádio de outro mundo. Risos.
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