Rede Record compra rádios e TV Guaíba
2007

Este texto não foi atualizado em relação à versão original de 2007. Foi produzido dias depois de a Record, com sede em São Paulo, ter passado a controlar a Rádio Guaíba, de Porto Alegre, além das demais empresas de comunicação até então pertencentes ao empresário Renato Ribeiro. Traz, assim, com seus erros e acertos, a impressão do momento.
Luiz Artur Ferraretto

Logotipo do Grupo Record (2007)

Que me perdoem os arautos da renovação constante, aqueles que vivem esgrimindo a palavra moderno a torto e a direito, por vezes sacando-a da bainha de mais um neologismo de almanaque, desses aprendidos em MBAs ou palestras de marqueteiros da hora. O Rio Grande do Sul ficou mais pobre culturalmente na quarta-feira, dia 21 de fevereiro de 2007 – a de Cinzas, como impõe o calendário. Não se trata de bairrismo, saudosismo ou outros ismos. Não se trata de atávico apegar-se ao velho em detrimento do novo. Trata-se de perder o controle das rádios Guaíba AM e FM, da TV Guaíba, quem sabe daquela Via Láctea verde a ser logo substituída por televisivas cores – azul, verde e vermelha – , as básicas do eletrônico mundo da Rede Record, com sede em São Paulo.

Sai a tradição da Caldas Júnior, de Breno Caldas, de Arlindo Pasqualini, de Jorge Alberto Mendes Ribeiro, de Osmar Meletti, de Pedro Carneiro Pereira, de Amir Domingues, de Milton Ferretti Jung, de Flávio Alcaraz Gomes e de Fernando Veronezi, citados aqui apenas os do panteão, o dos profissionais que fizeram e aconteceram ao longo de 50 anos, desde um outro tempo, o das grandes conquistas do Rio Grande. Entre estes profissionais, os últimos da lista – Amir, Milton, Flávio e Veronezi – são os remanescentes da primeira grande tentativa de fazer rádio fugindo aos padrões únicos do entretenimento, rádio com noticiário de qualidade, cobertura esportiva sem narrações histriônicas, comentários com ponderação, padrões de voz inigualáveis no cenário local e música sem agredir os ouvidos.

Entram em cena os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, a seu favor a transformação de uma rede decadente, a Record, em potência a enfrentar a Globo e amedrontar os até então principais adversários da família Marinho – o Sistema Brasileiro de Televisão, de Silvio Santos, e o Grupo Bandeirantes de Comunicação, dos Saad.

Não se trata do bairrismo dos cá de baixo, mas os que chegam vêm de muito além desta margem do Mampituba. Trata-se, sim, de constatar a nossa decrepitude como estado, como gaúchos. Falhamos em termos econômicos e já perdemos espaço na política. Um exemplo: foi-se a Varig como sinal de pujança do Rio Grande. E agora será outro? Vai também a Guaíba, a mais tradicional marca de jornalismo no rádio do Sul do país?

Como registram os principais sítios da internet local dedicados à comunicação, a preocupação com tudo de bom que a Guaíba representou ao longo das últimas cinco décadas une entidades como a Associação Rio-grandense de Imprensa, o Sindicato dos Jornalistas, a Federação Nacional dos Jornalistas e o Sindicato dos Radialistas. Ao Coletiva.net, o secretário-geral da Fenaj, Celso Schröder, lembra com propriedade a crise vivida pela Caldas Júnior na primeira metade dos anos 1980 e a resistência do então controlador do grupo formado pelas emissoras agora negociadas e pelos jornais Correio do Povo e Folha da Tarde, de circulação suspensa na época:

Nem quando a Guaíba enfrentou sua pior crise Breno Caldas a vendeu, porque havia um critério de que esses veículos deveriam permanecer locais.

Vencido pela crise, acabou repassando-os para o empresário Renato Bastos Ribeiro, até então ligado ao agrobusiness. Na época, políticos chegaram a interceder para que o controle permanecesse no estado. De fato, antes disto, Caldas recusara-se a negociar seus empreendimentos pelo menos com dois grupos de fora do Rio Grande: as redes Globo e Manchete. Nenhum deles trazia, no entanto, a preocupação com os rumos que podem ser dados a estas emissoras fora do jornalismo ou do entretenimento. A respeito, vale registrar a manifestação do presidente da Associação Rio-grandense de Imprensa, Ercy Torma, divulgada na página da entidade:

Apenas espero que as especulações de que a TV venha a ser usada para fins religiosos não sejam concretizadas, o que seria prejudicial para a sociedade.

Explicam-se as ponderações de Torma que se estendem às possibilidades de descaracterização das estações de rádio. A TV Guaíba, canal 2, era uma das poucas estações em VHF não vinculadas às grandes redes do eixo Rio-São Paulo. Todos no ar há décadas, programas como Câmera Dois, Cadeira Cativa e Flávio Alcaraz Gomes e os Guerrilheiros da Notícia estão entre os mais tradicionais espaços de produção local de Porto Alegre. Já a rádio em amplitude modulada liderou durante anos o segmento de jornalismo no estado; de fato, criou este espaço no mercado. E a FM, no formato com orquestrações, basicamente, e locução sóbria, tem um público selecionado.
Igualmente válida por constatar o triste cenário do descontrole social sobre a radiodifusão é a manifestação do sempre atento Sindicato dos Radialistas, em seu sítio, alertando para a transformação das concessões – que, é bom lembrar, são públicas – em “balcão de negócios”.

Há vários cenários a considerar no mercado do Rio Grande do Sul com o ingresso da Record como proprietária de veículos de comunicação. A negociação capitaneada pela rede paulista ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, na realidade, afeta três grupos de comunicação com sede em Porto Alegre. O chamado Sistema Guaíba-Correio do Povo deixa de existir e restringe-se ao jornal Correio do Povo e ao provedor de acesso à internet CPovo.net, sob o controle de Renato Bastos Ribeiro. A Rede Pampa de Comunicação, de Otávio Dumit Gadret, tende a perder, a médio prazo, a retransmissão do sinal da Record. Há contratos em andamento até o próximo ano, no caso do canal 4, de Porto Alegre, e 2009, nas estações do interior. Com todas as redes de televisão já operando na capital gaúcha, é uma incógnita qual o rumo que tomarão as operações de TV do grupo de Gadret, proprietário também de diversas emissoras de rádio e do jornal O Sul. A Rede Brasil Sul, por sua vez, pode ser afetada. A transação, fala-se, pode incluir valores de R$ 60 milhões a R$ 200 milhões, quantia que pode ser aplicada no Correio do Povo, principal concorrente de Zero Hora, carro-chefe dos empreendimentos da família Sirotsky em mídia impressa. Em um cenário de investimentos da Record tanto nas rádios quanto na TV, altera-se, assim, a situação da concorrência com a RBS TV Porto Alegre e a Rádio Gaúcha. Aí, a jogada do grupo da Igreja Universal seria de mestre pelos impactos no mercado. De fato, teríamos um cenário ideal neste caso.

Todos ganhariam na hipótese de um investimento crescente com aposta nas possibilidades de mercado de estações que são patrimônio da sociedade, independente dos sempre particulares interesses deste ou daquele grupo empresarial, seja laico ou religioso. Neste caso, como já se mobilizam os sindicatos de trabalhadores, há que preservar o material humano destas emissoras. Gente que, com salários muitas vezes reduzidos, construiu e constrói o lucro para os Caldas, os Ribeiros ou os pastores da Universal.

A pior situação – e seria uma burrice tamanha – é desconsiderar tudo isto e reduzir a Rádio Guaíba, com suas poderosas ondas curtas, à pregação religiosa e o canal 2 a uma mera retransmissora do sinal que vem de São Paulo. Se a Record pender para o primeiro, vai transformar positivamente o mercado do Rio Grande do Sul. Quanto mais se aproximar deste segundo cenário, mais pobre, cultural, política e economicamente fica o estado.

Esclarece-se, em relação ao escrito no momento das primeiras notícias sobre a venda para o Grupo Record que este também acabaria comprando o jornal Correio do Povo.

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