Este não é um texto sobre rádio,
como define por si só a sua prensença no site
do Instituto Caros Ouvintes [onde foi publicado em fevereiro de 2007], ou de fundo histórico, como quer a ciência. É um
texto sobre comunicação, jornalismo em geral, profissionalismo e, mais do que
tudo, trata das relações humanas, algo tão raro hoje em dia nos chamados
ambientes de trabalho. É sobre lembranças de um grande colega, falecido na
semana que passou.
Falei com ele pela última vez num
sábado destes de férias, de verão, de sol forte e céu azul sobre o bairro Bom
Fim, aqui em Porto Alegre. Faz menos de uma semana quando escrevo agora, mas
parece que passou um tempo enorme. O Fig estava de bermudas e fazendo compras
no supermercado. Tinha no rosto o sorriso de quem dias antes acrescentara um
neto à família de cinco filhas e uma dezena de irmãos. Se despediu com o humor
de sempre e é esta a imagem que quero guardar dele. Não aquela, a da terça, o
corpo velado pela família e pelos amigos, a da fala emotiva de uma das filhas,
a Bela, minha ex-orientanda de tempos atrás no curso de Jornalismo da
Universidade Luterana do Brasil. Quero lembrar da alegria do Fig na formatura
desta mesma filha. Ele me apertando a mão e agradecendo num dos auditórios da
universidade. E quero lembrar de uma tarde de outubro há uns três, quatro anos,
longa conversa em um tempo roubado em meio à grande quantidade de tarefas suas
na assessoria de imprensa da Ulbra. A cada pergunta minha para registrar o
papel dele na história do rádio do Rio Grande do Sul, o Figueredo citava outros
nomes, relativizava a sua importância, ora com ironia, ora com um pouquinho de
sarcasmo, mas sempre com muita humildade.
Por tudo isso, não consegui, não
tive coragem de ir nas cerimônias que antecederam à cremação. Li que lá estavam
200 ou mais pessoas. É pouco pela importância dele. Acho que muitos querem
guardar lembranças como essas. Afinal, o Figueredo tinha a simpatia e alegria
que só os gordos possuem. Desde o início dos anos 1990, ele trabalhava na
assessoria de imprensa da Ulbra, em Canoas, na Grande Porto Alegre. E é muito
duro saber que, nas próximas semanas, não vou cruzar nos corredores da
universidade com ele ou ouvir a sua voz dizendo:
– Guri! Tenho um pepino pra ti.
Desde 1996, quando assumi a
gerência do Centro de Produção Audiovisual da universidade, várias vezes o Fig
anunciou, assim, ao telefone algum pedido de última hora para gravação ou
produção em vídeo. Também vão faltar aquelas mensagens de e-mail com informações de cocheira sobre o mercado de comunicação.
Vou recordar sempre, no entanto, todo o apoio dado ao longo dos 12 meses em
que, a pedido da Reitoria da instituição, conduzi e reformulei o curso de
Comunicação. Nos outros 12, os anos em que ele coordenou a imprensa da Ulbra,
se a universidade ganhou com a presença do Figueredo, os veículos do Sul do
país perderam com a ausência de um grande jornalista. E como vai fazer falta o
Fig nas redações. Basta voltar os olhos para a sua trajetória profissional e
verificar suas realizações, aquelas que ele relativizou numa tarde de primavera
para um aluno de doutorado anos atrás.
Nos tempos de colégio, fora uma ou
outra tentativa infrutífera nos times de futebol, o guri Luiz Figueredo já se
dividia entre o jornalzinho mensal da escola e a locução de notícias
transmitidas por um sistema de alto-falante nos recreios. O primeiro emprego
com carteira assinada veio aos 17 anos: repórter do jornal Última Hora nas cidades de Novo Hamburgo e São Leopoldo. E seguiu
acumulando funções ao longo das quatro décadas seguintes, passando pelos
veículos de comunicação mais importantes do Sul do país. Basta lembrar os
cargos de chefia, coordenação e direção ocupados em veículos do que são hoje a
Rede Brasil Sul, a Rede Pampa e o Sistema Guaíba-Correio do Povo. Para ficar só no âmbito do rádio, lembro do
papel do Figueredo na definição ou reformulação de três noticiários
fundamentais até hoje nas grades das duas líderes do segmento de
radiojornalismo no Rio Grande do Sul: o Chamada Geral, na Gaúcha; e o Jornal
da Tarde e o então Correspondente Renner, na Guaíba. Nesta última,
por sinal, ele coordenou uma das mais bem-sucedidas coberturas eleitorais do
rádio deste estado, a de 1982, quando a Guaíba realizou uma apuração paralela
quase tão precisa quanto a do Tribunal Regional Eleitoral.
Na segunda, dia 12 de fevereiro, lá
pelas nove da noite, um infarto agudo do miocárdio surpreendeu o cidadão Luiz José Biernfeld Figueredo. A terça seria de
perplexidade e de tristeza entre profissionais de diversas gerações que cruzaram,
nas últimas quatro ou cinco décadas, com o Fig. A respeito dele, talvez a
melhor definição tenha vindo do cronista esportivo Wianey Carlet, ao microfone
da Rádio Gaúcha, durante o programa Sala de Redação:
– Era um grande ser humano.
Quis a casualidade que o Figueredo, tão cheio de amigos e de colegas que o admiravam e que gostavam muito dele, morresse sozinho na sua casa. Sozinho não. Um fiel companheiro capa preta estava ao seu lado. Iria latir desesperado nos dias seguintes, sentindo a falta do dono. Fidelidade que nunca falta aos animais para provar uma infinita capacidade na identificação de seres humanos especiais e do vazio deixado pela ausência de alguém como o Fig.
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