A Feira do Livro,
os escritores e o rádio
2017
Luiz Artur Ferraretto
Marca da Feira do
Livro de Porto Alegre
Como ocorre todos os anos desde 1955, as
barracas, barraquinhas e estandes voltam, em um final de semana de outubro ou
de novembro, com seus livros à Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre, e lá, ficam
por uns 15 dias. Talvez o mais importante evento do calendário cultural do
Rio Grande do Sul, a Feira do Livro, também como sempre tem ocorrido, é assunto
nas emissoras de rádio, algumas chegando a transferir parte da sua programação
para a área delimitada pela Rua da Praia, como todos nós, gaúchos, chamamos a
Andradas das denominações oficiais. Do outro lado, está o rio Guaíba, que a
ciência descobriu ser lago. Fora isto e sob pena de esquecer alguém, vale
trazer à memória a lembrança, evocada pela feira, de grandes escritores a ela
ligados. E ao rádio também.
Autor em início de carreira, com dois romances – Caminhos Cruzados e Um Lugar
ao Sol – começando a despertar o interesse do público, Erico Verissimo, por
exemplo, divide seu tempo, no ano de 1937, entre a Revista do Globo e a Rádio
Sociedade Farroupilha. Na então PRH-2, incorpora, diariamente, o Amigo
Velho, improvisando estórias para a Hora
Infantil da emissora. Muitas delas vão aparecer em livros como As aventuras
do avião vermelho, Os três porquinhos pobres ou Rosa Maria no castelo encantado, editados na Coleção
Nanquinote. No programa, funciona, ainda, o Clube dos Três Porquinhos, que
confere diplomas aos ouvintes-mirins a ele associados. O improviso, aliás,
fruto do corre-corre em que Erico vive na época, transforma o escritor em uma
das vítimas do Estado Novo, a ditadura imposta por Getúlio Vargas ao país no
mês de novembro daquele ano. Sem tempo para nada, as estorinhas do Amigo Velho
surgiam na caminhada, quase sempre às pressas, do prédio da Livraria do Globo
até o da Farroupilha, separados por três ou quatro quadras. Resultado: não há roteiro escrito a
ser submetido aos zelosos censores do governo e, como também não há tempo para
redigi-los, Erico acaba deixando a Farroupilha.
Anos depois, quando a ditadura já é a dos
militares da quartelada de 1964, problemas deste tipo terá também o filho do
autor de O tempo e o vento. Com uma crônica na Rádio Continental AM, 1.120 kHz, Luis Fernando
Verissimo vive no início dos anos 1970 situação tão paradoxal como a do seu
pai. Um texto sobre a Teoria da Evolução, de Charles Darwin, irrita os donos do
poder e é censurado:
– Talvez tenham deduzido que evolução
lembrava macaco, macaco lembrava gorila, e gorila lembrava militar, e eu estava
usando Darwin para algum fim subliminar.
Já, tempos antes, nas noites de domingo da
virada da década de 1930 para a de 1940 ao microfone da PRH-2, a voz de Josué Guimarães dá
vida a personagens do Teatro Farroupilha,
o principal programa do gênero, conduzido na época por Pery Borges e Estelita
Bell, a chamada “dupla de ouro do rádio gaúcho”, como registra a imprensa de
então. Fruto da amizade com o escritor, Estelita vai guardar, com carinho,
durante anos, uma coleção completa da revista Ondas Sonoras, que traz, com frequência, reportagens sobre ela e o
marido. É o escritor de Camilo Mortágua
quem cria e administra a publicação, “uma revista que trata de rádio, cinema e
teatro”. Aliás, serão dele, Josué, as ilustrações de Seis anos de rádio, obra lançada por Pery Borges, em
1942, e relatando os primeiros passos da dramaturgia radiofônica no Rio Grande
do Sul, um livro de sucesso embalado pela popularidade obtida nas sucessivas
encenações do Teatro Farroupilha.
Mario Quintana, o mais importante poeta da
literatura gaúcha, embora sem experiências ao microfone, também tem seu nome
associado um pouco à história do veículo. Há alguns anos, na Rádio Guaíba, a
voz límpida e de pronúncia perfeita do locutor Milton Ferretti Jung ressalta a
relevância dos versos sensíveis do poeta, ele próprio funcionário do Correio do Povo, carro-chefe entre as
publicações da casa. Quintanares, de
nome emprestado do poema, faz, na época, uma ruptura quase lírica na
programação da emissora.
Cabe lembrar, ainda, dos que, profissionais
consagrados do rádio, enveredam pela literatura. Um exemplo é Sérgio Jockymann,
texto que brilha em várias emissoras da capital nos tempos do espetáculo
radiofônico e chega aos anos 1980 e 1990 fazendo comentários e apresentando
programas jornalísticos. A carreira em contos, novelas e peças de teatro vai
seguir em paralelo à sua atividade radiofônica. Já Antonio Carlos Resende
começa na Farroupilha aos 18 anos em 1947, mas só escreve seu primeiro livro – Magra, mas não muito, as pernas sólidas, morena – três décadas depois. No rádio,
consagra-se como locutor esportivo. Na literatura, publica com regularidade,
transitando, com toques de erotismo, pelas venturas e desventuras do amor.
Da relação entre a Feira do Livro e o
rádio, há que registrar também alguns patronos do evento: os jornalistas Ruy Carlos Ostermann (2002),
principal comentarista de futebol do Sul do país, com várias obras voltadas ao
esporte; e Walter Galvani (2003), apresentador de programas radiofônicos e
autor de diversos livros, entre eles Nau capitânia, uma biografia de Pedro
Alvarez Cabral, que lhe rendeu o Prêmio Casa de las Américas, outorgado pelo
governo de Cuba.
Em todos estes exemplos, há que convir: o
rádio e a literatura, como exercícios mentais, têm mesmo algo em comum além de
radialistas-escritores ou de escritores-radialistas. Possuem a capacidade de
criar imagens, mexendo com o consciente e o inconsciente, seja na palavra
precisa, exigência de ambas as formas de expressão, seja pelo conjunto de
elementos sonoros empregados, particularidade radiofônica a ressaltar, por
exemplo, enredos reais – os dos noticiários – ou ficcionais – os das velhas
novelas –, tudo sempre em uma espécie de literatura/ escritura sonora.
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